Não deve uma política, como alguém disse, ser julgada pelos resultados? Talvez, mas neste caso já temos resultados suficientes. Em menos de uma semana, Rui Rio conseguiu que uma sua vice-presidente fosse vaiada no congresso, e que o seu candidato a líder do grupo parlamentar não fosse votado pela maioria dos deputados. Pelo meio, voltou a pôr Santana Lopes com dúvidas.
Não vale a pena distribuir culpas. É mais importante registar o significado de tudo isto: o destino de Rui Rio não é ser oposição ao governo, mas ao próprio PSD. E vai ser assim, porque foi sempre assim quando, no passado, o PSD foi posto na situação em que Rio o colocou, de subordinação ao PS. Não haverá paz.
As personalidades terão certamente alguma parte em tudo isto. Mas seria um erro começar por aí. O que está em causa é uma opção de fundo. Ao aproximar-se do PCP e do BE, António Costa iria fatalmente provocar uma de duas coisas: ou fazia o PSD explorar a bipolarização, e clamar, como diz Assunção Cristas, que a partir de agora os portugueses têm de escolher entre dois blocos, e quem não quiser o PCP e o BE na área do poder tem de eleger 116 deputados do PSD e do CDS; ou então, o PSD seria tentado a entrar num jogo de equívocos com o PS.
O engano aqui seria presumir que, só por a direcção do PSD ter optado pelo jogo com o PS, haverá mais tranquilidade (ou “normalidade”). Não: haverá menos. É verdade que PS, PSD e CDS têm em comum a integração europeia. Sem isto, este regime seria impossível. Mas esses grandes princípios não condenam os partidos à harmonia, na medida em que não significa que só possa haver um tipo de soluções institucionais ou opções de governação. Dir-me-ão: noutros países, os grandes partidos entendem-se para governar. Sim, na Alemanha — onde, depois de anos de coligação, a CDU e o SPD nunca estiveram tão divididos e valeram tão pouco. O mesmo, aliás, aconteceu ao PSD e ao PS em 1985, após o Bloco Central. Por isso, por mais interessados que estejam em extrair capital de uma “nova fase” de consenso, nem PSD nem PS estão à vontade para se comprometer, com medo de alienar dirigentes e eleitores.
O primeiro efeito do corrente jogo será, portanto, uma grande cacofonia. Do lado do PS, por cada porta-voz que saúde a disponibilidade do PSD para pactos, haverá outro porta-voz a dizer que não haverá pactos nenhuns. Do lado do PSD, por cada dirigente que queira transformar os debates com o primeiro-ministro em fraternais “sessões de trabalho”, haverá outro dirigente a clamar que um “governo de esquerda” lhe “repugna”. Aliás, curiosamente, nenhuma direcção do PSD terá usado a palavra “esquerda” com tanto nojo como a actual. Nada disto é inédito. Ninguém como Sousa Franco, em 1978, ou Mota Pinto, entre 1983 e 1985, se mostrou tão impaciente e quezilento com o PS: é quem tem expectativas que mais se zanga.
Mas então, como fazer as “reformas”? Bem, para começar, as reformas são as reformas que só o PSD e o CDS querem fazer. Porque haveria António Costa de lhes facilitar a vida? O PS já explicou que só está interessado em “acordos” com os todos os partidos. Seria portanto preciso imaginar soluções de que estivessem igualmente convencidos CDS, PSD, PS, BE, e PCP. Poderíamos, a esse respeito, assentar numa regra: fora de uma emergência, tudo em que partidos tão diferentes concordarem tenderão a ser, ou detalhes técnicos, ou manigâncias à custa dos contribuintes (como o financiamento partidário), à custa do equilíbrio dos poderes (como a governamentalização do Ministério Público), ou à custa do Estado (como a feudalização agora conhecida por “descentralização”). Em suma, neste contexto, ninguém fará “reformas”, e as que se fizerem – será melhor que não sejam feitas.