Não, não vou falar do incêndio de Pedrógão Grande. Nem do furto de material de guerra de Tancos. Também não vou falar de acidentes rodoviários (mais 23% de mortos nas estradas portuguesas comparando o primeiro semestre de 2017 com o de 2016, como explicar este retrocesso?). Hoje não vou falar de nada que possa ser considerado ocasional, acidental, fruto de circunstâncias extraordinárias, sabe-se lá se apenas do azar ou do diabo. Vou falar de políticas estruturantes e de como temos de pedir a este Governo para que, ao menos, não estrague mais do que já estragou.

Começo pela Educação. Como já referi, esta equipa ministerial instalou-se com a confessa determinação de destruir o trabalho dos últimos anos, um trabalho que tinha começado em governos do PS (especialmente com Maria de Lurdes Rodrigues) e prosseguido, com maior ambição, pela equipa de Nuno Crato. Foi como se Mário Nogueira tivesse tomado conta da 5 de Outubro, tal a convergência existente entre o sindicalista e o ministro nos primeiros tempos do mandato.

Uma das traves mestras das novas políticas do Ministério foi desmantelar um sistema de avaliação que vinha sendo progressivamente alargado e que incluía provas finais em todos os ciclos do ensino básico. No seu lugar o Ministério colocou provas “de aferição” a que ninguém liga real importância e inventou que, a partir dos resultados dessa mascarada, iria desenvolver programas destinados a promover o sucesso escolar.

Como se sabe tanto com Maria de Lurdes Rodrigues, como com Nuno Crato, mesmo que com diferenças de registo e de ênfase, a preocupação com o sucesso ia a par com uma maior exigência na obtenção de resultados. O sucesso media-se então através de três indicadores: a taxa de retenção dos alunos (em linguagem comum, a percentagem de “chumbos”), a taxa de abandono escolar precoce e o resultado dos alunos portugueses em provas internacionais como o PISA e o TIMMS.

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Quando a equipa de Tiago Brandão Rodrigues aterrou em Lisboa anunciou que tudo o que vinha detrás estava errado – procurando limitar essa herança ao consulado de Nuno Crato, quando existiam muitas políticas de continuidade – e reinstalou o discurso do “eduquês”, passando a falar de competências em vez de conhecimentos, desvalorizando a avaliação, revendo em baixa as metas curriculares e empenhando-se quase exclusivamente no combate aos “chumbos”. Quem os ouvisse diria que herdavam um sistema em ruínas que sacrificava desnecessariamente os alunos e produzia retenções por mero capricho.

É neste quadro que temos de analisar os números agora publicados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e que mostram que as taxas de retenção diminuíram, no ano lectivo de 2015/16, em todos os vários níveis do ensino básico e secundário. Leu bem, caro leitor: ano lectivo de 2015/16, o último preparado e lançado pelo anterior Governo. E deve ler mais: as taxas de retenção no último ano lectivo realizado no quadro das orientações da equipa de Nuno Crato registou as menores taxas de retenção de 16 anos de estatísticas.

O quadro seguinte é revelador a evolução deste indicador para o 9º e o 12º anos e mostra bem como Nuno Crato entregou a este governo um sistema com menos retenções do que aquele que herdou em 2011:

Se desdobrarmos estes dados ano por ano verificamos que só em dois deles (o 4º ano do básico, e o 10º ano, já no secundário) houve aumentos marginais da taxa de retenção, o que não deixa de ser curioso, pois uma das poucas alterações introduzidas pela equipa de Tiago Brandão Rodrigues e que teve efeito logo no ano lectivo de 2015/16 foi a abolição do exame do 4º ano. Se eu quisesse fazer demagogia argumentaria que, sem exame, chumbaram em 2016 mais alunos do que com exame em 2015, o que é factualmente verdade. Mas não entro por esse caminho pois sei que a variação registada nos números do Continente (0,1%) não tem significado estatístico.

Mas já se olharmos para os anos em que a percentagem de retenções mais diminuiu (quedas entre 18% e 23%), verificamos que isso sucedeu no 5º e 6º anos, cujos alunos foram os primeiros a ter exames finais no 4º ano, e no 7º e 8º anos, com alunos que tinham tido provas finais no 6º ano. Esta evolução sugere que a realização dessas provas (as tais que este Governo aboliu abruptamente) pode ter tido um impacto positivo no sucesso dos alunos que as fizeram, o que não surpreende pois a sua simples existência estimulou os professores a fazerem revisões no final dos anos lectivos para preparem os seus alunos, o que depois se reflectiu em melhores prestações nos anos seguintes. Isso parece ser ainda mais verdade a matemática, uma disciplina chave onde uma evolução positiva e essencial para diminuir os chumbos.

Seja lá como for a verdade é que estes resultados, ainda atribuíveis à anterior equipa do Ministério da Educação (e sem batotas ou pressões sobre as escolas para diminuírem o número de retenções e passarem alunos com cinco negativas, como se suspeita que terá acontecido este ano), vêm juntar-se a outros igualmente positivos.

Senão vejamos: em 2015, o último ano de Nuno Crato, a taxa de abandono escolar – ou, mais exactamente, a “taxa de abandono precoce de educação e formação” – caiu para 13,7%, quando era de 23% em 2011, altura em que o anterior ministro chegou à 5 de Outubro. O que aconteceu em 2016? Esta taxa voltou a subir, se bem que marginalmente, situando-se nos 14% em 2016 (dados Pordata).

Quando ao PISA e ao TIMMS, as provas internacionais em que os alunos portugueses são comparados com estudantes de outros países com a mesma idade, os resultados foram ainda mais impressionantes: no PISA 2015, o estudo comparativo organizado pela OCDE, os 501 pontos a literacia científica, os 498 a literacia em leitura e os 492 em literacia a matemática representaram não só uma melhoria face ao PISA de 2012, como permitiram que os alunos portugueses de 15 anos tivessem ultrapassado, pela primeira vez, a média dos países daquele organização. Já no TIMSS, que avalia alunos do 4.º ano de escolaridade e incide sobre literacia matemática, Portugal teve uma pontuação superior à da idolatrada Finlândia.

O sucesso nestes três indicadores – abandono escolar, sucesso escolar e sucesso nas provas internacionais – reflecte uma evolução que Nuno Crato não quebrou, antes reforçou, e resulta de políticas que apostaram na avaliação, na exigência e na clarificação dos objectivos curriculares. Tudo conceitos que a actual equipa ministerial detesta e combate. Nalgumas frentes o ministro da Educação só não terá ido mais longe no seu esforço para transformar a escola num recreio porque o primeiro-ministro percebeu que a loucura da 5 de Outubro – que já se preparava para desinvestir no ensino da Matemática e do Português – acarretava elevados riscos políticos, sobretudo quando o próximo ano escolar arrancará em cima das eleições autárquicas.

Ora a relevância dos dados agora conhecidos sobre o sucesso escolar em 2015/16 é que mostram como toda a argumentação de Tiago Brandão Rodrigues sobre a “destruição da escola pública” e a “segregação dos mais fracos” não tem suporte na realidade, o que também significa que todo o ataque que está a ser feito às políticas que permitiram esta evolução desses indicadores é suicida e criminosa.

Pelo que é caso para dizer: tratem lá de dar ao Mário Nogueira alguma coisa para ele se entreter mesmo que isso custe alguma coisa aos contribuintes, mas ao menos não estraguem o esforço de qualificação da escola portuguesa que estava comprovadamente a dar bons resultados.

Outros resultados a merecer atenção são os relativos à redução do IVA na restauração. Vieram dizer-nos que era um sucesso porque a perda de receita fiscal (161,7 milhões de euros) foi afinal menor do que o estimado (175 milhões). Isto em apenas 6 meses, o que significa que a perda de receita em 2017 será de mais de 300 milhões de euros.

Não vejo aqui motivo para foguetes. Vejo é que os objectivos da medida falharam, como bem mostram os dados do grupo de trabalho criado pelo próprio Executivo. Primeiro, os preços não baixaram, pelo contrário, pois até estão a subir a um ritmo superior ao da inflação. Isto significa que a medida não teve qualquer impacto no “estímulo ao consumo privado” (como talvez sucedesse com preços mais baixos), apenas transferiu a margem da poupança fiscal de todos os outros contribuintes para os empresários da restauração.

Depois é duvidoso, no mínimo, que a medida tenha tido um real impacto na criação de emprego. O relatório diz que o emprego na restauração aumentou 6,7%, em comparação homóloga, quando no total da economia o crescimento foi de 3,2%. Parece um sucesso. Mas será que é mesmo? Segundo números da Segurança Social, o emprego em todo o sector do turismo cresceu 9,1% em 2016. Ou seja, o crescimento do emprego na restauração terá, na melhor das hipóteses, andado a par com o crescimento do emprego em todo o sector do turismo, pelo que é legítimo interrogarmo-nos sobre se esse crescimento não teria acontecido mesmo sem a descida da taxa do IVA na restauração de 23% para 13%.

Mesmo assim admitamos que todos os novos empregos na restauração se deveram à descida do IVA (o que não é credível) e não ao boom do turismo (o que é bastante mais lógico). Nesse caso bastante inverosímil os cerca de 19 mil postos de trabalho criados na restauração teriam custado cada um, em perda de receita fiscal, 20 mil euros. E isto só em metade do ano de 2016. Não parece um custo razoável.

A isto chama-se estragar um esforço que foi feito durante vários anos apenas para dar um bónus fiscal a um sector que não necessitava dele — mas um sector que, por ser muito pulverizado, tem um peso eleitoral significativo. São votos que saem caros, mas são votos de que António Costa necessita para as eleições que aí vêm.

É pena que dois eventos com a gravidade daqueles que nos ocuparam nas últimas semanas tenham impedido qualquer discussão séria em torno das estatísticas da Educação e dos resultados do “bónus” fiscal à restauração. É que se as primeiras mostram como esta maioria está empenhada em estragar o que estava a correr bem na Educação, os segundos ilustram bem a forma como o Estado, com esta maioria, volta a estar capturado por interesses particulares que parasitam o interesse geral. Os 161,7 milhões de receita fiscal perdida com a descida do IVA na restauração bem podiam ter servido, por exemplo, para descer um pouco o brutal IRS que pagamos, mas não foi essa a escolha de António Costa.

Seja lá como for a verdade, como o azeite, vai vindo à tona. E não só nos casos referidos: os dados agora revelados sobre a forma como se obteve o “milagre orçamental” de 2016, com cativações recorde que representaram cortes sem fim nas despesas de funcionamento da administração pública, mostram o outro lado das opções orçamentais da actual maioria. Quando depois é a administração pública que falha, como tem vindo a falhar de forma clamorosa, alguém se surpreende?

PS. O dr. Louçã entendeu contrariar as minhas críticas à sua eucaliptofobia e à do Bloco com um argumento definitivo: aquela árvore não presta porque os alemães “não correm para este El Dorado”. É verdade, não há muitos Eucaliptus globulus (a espécie em causa) na Alemanha, mas não é por serem “perigosos” ou “pirómanos”: é porque dão-se mal com o frio e as geadas do Inverno. Pela mesma razão não os encontramos na agreste meseta ibérica, mas encontramos na Galiza. É curioso que o Dr. Louçã tenha escolhido este argumento para atacar as minhas críticas à ignorância reinante neste debate. E mais não digo que não vale a pena.