Hoje trago casos em que a realidade imita a ficção.

Parte da ficção vem dos livros de Nancy Mitford e de uma das suas personagens: Lord Alconleigh, fidalgo de província que servia como magistrado. O método usado para determinar a culpa dos supostos meliantes que lhe apresentavam era simples e tornava desnecessárias maçadas como provas, testemunhos, interrogatórios e contra-interrogatórios; bastava ponderar se o acusado tinha ou não cara de criminoso. A simetria facial e a forma mais ou menos ameaçadora das sobrancelhas sentenciavam a pena ou a absolvição.

Claro que, agora na realidade, nenhum juiz cai no exagero de determinar sentenças baseando-se nas feições dos acusados. Têm um método ainda mais infalível: decidem com base no sexo dos queixosos. Porque toda a gente sabe (ou, pelo menos, os juízes sabem): as mulheres são mentirosas. Capazes de inventar qualquer historieta alucinada para destruir a vida de um coitado do sexo masculino. De os levar à loucura, à aplicação de uns sopapos (que eles nem queriam) e, de seguida, ainda vão para os tribunais caluniar um homem.

Voltando à ficção, lembremos Milady de Winter, de Os Três Mosqueteiros de Dumas. Arruinou o Conde de La Fére, foi bígama, convenceu com as suas artes e manhas um bom homem a assassinar o Duque de Buckingham e conspirou para matar a apaixonada de D’Artagnan. É, vê-se à distância, o exemplo mediano dos seres do sexo feminino. Os juízes já leram livros, viram telenovelas e lembram-se da Alexis Carrington da Dinastia. O mulherio não os engana.

Isto vem a propósito do juiz australiano modernaço que julga convenções de gente preconceituosa torcer o nariz ao incesto e ao desejo sexual de um homem por um rapaz. O incesto, sendo feito por dois adultos dando o seu consentimento, não devia ser legalmente penalizado, de facto. Mas, curiosamente, para o modernaço juiz o incesto só está bem se a rapariga já não for virgem (que se aceita um, tem de aceitar todos, nada de esquisitices) e não tiver namorado ou marido (incesto ainda vá, mas infidelidades aos maridos e namorados é que não se tolera).

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Quanto à ‘naturalidade’ da atracão de homens adultos por rapazes (ou raparigas), apetece apontar o exemplo dos juízes do Tribunal Constitucional, que se dedicaram à aquisição de livros de Economia para entenderem o que é e os efeitos de uma lei orçamental. Os livros não foram eficazes para o TC (continuaram devastadoramente ignorantes), mas tal não implica que outros partilhem as dificuldades de aprender. Há ampla literatura sobre as consequências do abuso sexual na infância, alguma em linguagem acessível até a juízes.

Oh, mas lá estou eu a fazer uso das minhas ardilosas artes femininas. O que nos vale é que os juízes bem sabem que uma criança, sendo menina, é bem mais dotada de manhas e capacidade de manipulação do que qualquer homem adulto. Leram Lolita de Nabokov e conhecem tudo de meninas corruptas. Felizmente um juiz britânico, no ano passado, teve o mesmo entendimento para com um homem de 41 anos que abusou de uma adolescente de 13. Esta foi descrita como ‘predadora’ e deu-se uma pena suspensa ao pobre (que só por acaso também apreciava pornografia infantil) que teve o azar de se cruzar com aquele demónio de 13 anos.

Isto são maluquices do mundo anglo-saxónico, respira o leitor de alívio. Não. Também no ano passado foi absolvido em Aveiro um homem de 55 anos que abusou de uma sobrinha de 14 anos. Porquê? A adolescente já não era virgem e, logo, não houve abuso. Lá está: se não se é virgem, é-se uma exímia manipuladora de homens, mesmo que só com 14 anos. Antes, a Relação do Porto absolveu um psiquiatra que violou uma doente grávida de 34 semanas porque os seus atos não tinha sido violentos. Provou-se a relação sexual e a falta de consentimento da mulher, mas como esta estava limitada pela barriga e pelo medo de violências sobre o que tinha dentro da barriga (digo eu) e não se debateu, ficámos a saber que o necessário para uma condenação por violação é dar um sopapo, não violar.

Nem todos os juízes serão deste calibre, evidentemente, mas há demasiados casos em que se culpa a vítima e se compreende o agressor, e por todo o mundo.

A carreira dos juízes por cá propicia desfasamento da realidade e convicção de que pairam sobre os mortais cuja vida decidem. Cereja no topo do bolo: são uma classe corporativa e com avaliação risível. Como é difícil testar a qualidade humana de cada juiz ou a misoginia (que não afeta só homens), a solução talvez passe por de alguma forma colocar os juízes sob escrutínio dos cidadãos ou dos seus representantes. Traduzindo para juízes: daquelas pessoas menores e quezilentas que insistem em supor que o acesso à Justiça é um direito que lhes assiste.