Abordar a relação entre liberalismo e conservadorismo é uma tarefa delicada e exigente. Desde logo porque o próprio significado dos termos adquire significados diferentes — por vezes até quase opostos — em diferentes culturas e contextos políticos. Mas também porque mesmo sendo preciso na utilização dos conceitos há tensões difíceis de ultrapassar. Este foi um dos temas tratados na conferência anual dos “European Young Conservatives”, que este ano teve lugar no Porto e contou, entre um vasto leque de oradores, com figuras como Liam Fox e Daniel Hannan.

Pela minha parte, gostaria, em linha com o que fiz na minha intervenção na conferência, de apontar quatro áreas de convergência e dois focos de tensão entre liberalismo (no sentido clássico) e conservadorismo (de matriz não estatista).

A primeira é a valorização do Estado-Nação enquanto entidade independente. Esta não é uma valorização absoluta nem estática — os Estados e as Nações evoluem lentamente ao longo do tempo e ocasionalmente podem e devem reconfigurar-se. Mas tanto o liberalismo clássico como o conservadorismo prezam a concorrência e diversidade na esfera internacional. Por isso desconfiam de projectos supranacionais que visam homogeneizar, controlar centralmente e dirigir os povos.

Uma segunda vertente de convergência reside no respeito pelas liberdades individuais e pelas relações espontaneamente estabelecidas entre os indivíduos. Daqui decorre igual respeito pela instituição familiar, pelas formas voluntárias de associação civil e pelo papel dos corpos intermédios. Desde que correctamente entendido, o individualismo verdadeiro (para usar a expressão de Hayek) é o oposto do atomismo promovido pelas doutrinas estatistas. É o estatismo que, ao violar sistematicamente o princípio da subsidiariedade, destrói as estruturas intermédias e voluntárias da sociedade e assim deixa uma multidão de indivíduos convenientemente isolados face ao todo-poderoso Estado dirigista.

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O terceiro elemento de convergência é o rule of law, muitas vezes imperfeitamente traduzido por Estado de Direito mas mais próximo do conceito de império da lei. O respeito por regras gerais e abstractas de conduta que se aplicam igualmente a todos — e que limitam o poder do próprio Estado — por si só não chega para garantir a civilização mas é um elemento fundamental da mesma.

Last but certainly not least, liberais e conservadores devem convergir na defesa intransigente do comércio livre e da concorrência. O comércio é essencial não apenas como mecanismo imprescindível para a melhoria do nível de vida das populações e para o desenvolvimento mas também como factor de estabilidade e paz na ordem internacional.

Apresentadas as quatro áreas de convergência, importa identificar os dois focos de tensão. O primeiro é o utopismo racionalista e construtivista que infecta — em maior ou menor grau — algumas correntes de inspiração liberal. De facto, quando se ignora a importância da tradição e da ordem espontânea e se pretende “libertar” os indivíduos de todos os constrangimentos ou, pior ainda, criar um “homem novo”, o resultado só pode ser desastroso. Não espanta por isso que estas correntes liberais acabem quase sempre arrastadas pelas ondas do progressismo estatista.

O segundo foco de tensão são as pulsões reaccionárias presentes em algumas áreas do conservadorismo. Quando essas pulsões triunfam, o resultado é a defesa do fechamento das sociedades ao exterior com as consequentes políticas proteccionistas e anti-liberais.

O debate interno no Reino Unido pré e pós Brexit reflecte em boa medida estas tensões. Não há nada de iliberal — antes pelo contrário — na forma como Daniel Hannan defendeu o Brexit e concebe o papel do Reino Unido no mundo fora da UE. Mas, infelizmente, o mesmo não pode ser dito de outras figuras influentes no conservadorismo inglês, incluindo algumas com importantes responsabilidades governativas.

Não só no Reino Unido, mas também a nível europeu e global, a grande batalha dos nossos dias trava-se entre quem defende maior abertura ao mundo e o ressurgimento das velhas ameaças proteccionistas. Neste contexto, faz sentido terminar este artigo saudando uma outra conferência, organizada pela Universidade Católica Portuguesa em parceria com a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira e dedicada às negociações em curso relativas ao acordo entre UE e Mercosul. Reunindo alguns dos principais intervenientes nessas negociações, a conferência terá lugar já na próxima segunda-feira a partir das 14h00 no Auditório Cardeal Medeiros da Universidade Católica, em Lisboa.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa