After Europe, de Ivan Krastev (Penn, 2017), é a minha primeira sugestão de leituras natalícias, nesta segunda crónica sobre o tema. O autor — que falou recentemente em Lisboa sobre o livro — recusa a dicotomia infeliz entre “nacionalismo versus globalismo” e sugere que tentemos compreender os eleitores. Alerta para a importância do sentimento nacional e recorda que ele esteve associado à emergência da democracia moderna. O título After Europe não se refere, por isso, ao fim da União Europeia. Refere-se apenas ao fim da ilusão de que é possível construir o nobre projecto europeu ignorando os sentimentos dos eleitores.
Um argumento semelhante tinha sido pouco antes apresentado por David Goodhart em The Road to Somewhere: The Populist Revolt and the Future of Politics (Hurst, 2017). O autor, que se situa ao centro-esquerda, argumenta que a tradicional divisão entre esquerda e direita está a ser gradualmente substituída, ou sobreposta, por uma nova oposição: entre, por um lado, a “identidade adquirida” de grupos dotados de grande mobilidade profissional e residencial que pertencem “anywhere” (a qualquer lugar, digamos assim); e, por outro lado, a “identidade herdada” de grupos com reduzida mobilidade profissional e residencial que pertencem “somewhere” (a algum lugar, digamos assim). Recusa a dicotomia infeliz entre “anywheres” versus “somewheres” e procura sugerir caminhos para os reconciliar. À semelhança do argumento de Krastev, Goodhart considera que esses caminhos supõem o respeito pelo sentimento nacional.
Outro argumento semelhante, desta vez vindo do centro-direita, é apresentado por Douglas Murray em The Strange Death of Europe: Immigration, Identitiy and Islam (Bloomsbury, 2017). O autor argumenta que a Europa enfrenta um desafio existencial que resulta de dois fenómenos simultâneos. Por um lado, assistimos a um inédito movimento migratório de populações. “A Europa está a tornar-se o lar do mundo inteiro”, diz Murray. Isto seria em si mesmo um problema, mas torna-se mais grave porque coincide com outro fenómeno, embora de origem distinta, sobretudo endógena: “a Europa perdeu a fé nas suas convicções, tradições e legitimidade”. Sem confiança em si mesma, a Europa e o Ocidente não têm condições para assimilar ordeiramente as vagas migratórias. Esse “choque de culturas” é sobretudo sentido pelas populações nativas europeias com reduzida mobilidade profissional e geográfica — os “somewheres” de David Goodhart — e que por isso têm de conviver diariamente com diferentes, muitas vezes hostis, culturas e religiões dos imigrantes.
As três obras acima referidas já tinham sido por mim recomendadas a propósito das leituras para o Verão. Volto a recomendá-las agora, devido à importância do tema europeu e à qualidade invulgar das obras em apreço. Felizmente, também entre nós, quatro livros muito recentes abordam uma problemática semelhante — embora com perspectivas diferentes. Carlos Gaspar acaba de publicar A Balança da Europa (Aletheia, 2017). [ ] André Azevedo Alves coordenou a edição de Teoria Política e Geoestratégia: Desafios Contemporâneos (Aletheia, 2017). De Portugal para a Europa é o título do livro de António Barreto (Relógio d’Água, 2017). E hoje mesmo será apresentado ao público Bárbaros e Iluminados: Populismo e Utopia no Século XXI, de Jaime Nogueira Pinto (D. Quixote, 2017).
A problemática europeia está incontornavelmente enraizada nas realidades nacionais. Esta é por isso uma boa ocasião para revisitar a história de uma das mais antigas nações da Europa. Este é o tema de Portugal: A História de uma Nação, de Henry Morse Stephens (Alma dos Livros, 2017), bem como de Diogo Freitas do Amaral em Da Lusitânia a Portugal: Dois mil anos de história (Bertrand, 2017). Num registo mais pessoal, encontramos Abril e Outras Transições, de José Cutileiro (D. Quixote, 2017) e Caminhos e Destinos: A memória dos outros II , de Marcello Duarte Mathias (D. Quixote, 2017).
Para esta reflexão estimulante sobre a identidade nacional, recomendo ainda um ensaio do Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, sobre O que é Portugal? O que somos e porque somos (Universidade Católica Editora, 2015). O tema foi revisitado pelo mesmo autor numa eloquente palestra na Academia de Marinha, na passada terça-feira, por ocasião dos 700 anos da Marinha de Guerra Portuguesa: “Como o Mar fez Portugal”.
Finalmente — e dado que, com efeito, o Mar fez Portugal — recomendo enfaticamente a leitura do número Mil da Revista de Marinha — uma publicação não estatal que este ano celebra os 80 anos. Talvez uma assinatura desta revista pudesse constituir uma boa ideia de presente de Natal.
Feliz Natal e boas leituras.