Graças à reinante maioria de esquerda parlamentar, já é possível o aborto livre, sem taxas moderadoras nem esclarecimento obrigatório, e está prestes a permitir-se a eutanásia, isto é o direito a uma ‘morte digna’. Mas ainda não se admite o ‘amor digno’, ou seja o uso voluntário de violência contra um parente próximo que desonra a família, causando-lhe um sofrimento intolerável. Na já ultrapassada terminologia moralista, o ‘amor digno’ era denominado ‘violência doméstica’, designação tão desagradável e anacrónica quanto as palavras ‘aborto’ e ‘eutanásia’, em boa hora substituídas, respectivamente, pelas expressões ‘interrupção voluntária da gravidez’ e ‘direito a uma morte digna’.

O ‘amor digno’ é, em muitos casos, o único meio de assegurar a honra das famílias. Com efeito, ante a indignidade de um parente invariavelmente ébrio, por exemplo, há que autorizar o uso da força pelo cônjuge ofendido, ou pelos descendentes infamados, em legítima defesa da dignidade familiar.

Talvez alguém pudesse objectar que, assim entendido, o ‘amor digno’ não seria propriamente voluntário. É certo, mas também não o é, para a vítima, a eufemisticamente apelidada interrupção ‘voluntária’ da gravidez, embora o seja para quem a lei atribui o direito de inviabilizar o nascituro. Mutatis mutandis, o ‘amor digno’ também seria, neste sentido, ‘voluntário’: não para o familiar violentado, mas sim para quem, ao abrigo da lei e em defesa do bom nome familiar, inviabilizasse, à força, a ofensiva indignidade.

Talvez alguns defensores da moral tradicional entendam que, embora possa ser aceitável a morte a pedido, nunca o é o ‘amor digno’. Mas, se se permite que alguém seja morto, o que é definitivo e irreversível, qual a razão para impedir que se ponha termo à desonra intolerável dos parentes, quando tal actuação nem sequer causa, por regra, efeitos definitivos e irreversíveis?!

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É verdade que o ‘amor digno’ contraria o mandamento novo da caridade cristã; bem como o quarto mandamento da Lei de Deus, que exige honrar pai e mãe; e ainda o dever de respeito mútuo, a que os cônjuges católicos estão obrigados. Contudo, a laicidade da república portuguesa não pode permitir que a lei civil seja cerceada por estes pruridos judaico-cristãos, que apenas restringem a liberdade dos cidadãos.

Insista-se numa questão que não é de menor importância: não se pretende que ninguém seja obrigado ao ‘amor digno’! De modo nenhum! Cada cônjuge ou descendente faça o que quiser com os seus respectivos familiares! O que não é razoável é que alguns portugueses, que são contra o ‘amor digno’, imponham aos outros esse seu preconceito religioso. Por outro lado, é óbvio que, tratando-se do direito fundamental à dignidade familiar, não pode nem deve ser referendado.

Ainda um argumento recorrente, que se poderia apelidar de ‘realismo jurídico’. Não vale a pena esconder que o ‘amor digno’ já existe em muitos países e até em muitas famílias portuguesas, embora alguns, hipocritamente, o não queiram reconhecer. Portanto, trata-se apenas de legalizar uma realidade que a sociedade portuguesa já conhece e alguns até aprovam, como se demonstra pelo provérbio ‘quanto mais me bates, mais eu gosto de ti!’. São, afinal, famílias iguais às outras, com as quais nos cruzamos todos os dias. Há até figuras públicas que são conhecidas por praticarem o ‘amor digno’…

Este manifesto também se propõe revogar a legislação em vigor, que é contraditória e homofóbica. De facto, se dois jogadores de boxe do mesmo sexo lutam num ringue, praticam um desporto legal; mas, se forem casados e andarem à pancada em casa, cometem o crime público de violência doméstica! É óbvio que esta hipocrisia legal e esta inconstitucional discriminação, por razão do género, só poderá ser resolvida com a legalização do ‘amor digno’!

PS: Aviso à navegação: este texto não é a favor da despenalização da violência doméstica, que é um crime horrível e que, como tal, deve continuar a ser punido. Não é também nenhuma desconsideração pelas vítimas inocentes de maus tratos familiares, que merecem a maior compaixão e total solidariedade. É apenas um exercício de argumentação em que, pela aplicação, ao ‘amor digno’, dos critérios usados a favor da eutanásia e do aborto, se procura denunciar, com alguma ironia, essa falaciosa justificação.