A homeopatia foi inventada por um médico alemão, de seu nome Samuel Hahnemann (1755-1843), nascido em Meissen, filho de um pintor de porcelanas. Hahnemann começou por estudar medicina em Leipzig e Viena e passar depois dez anos em cidadezinhas de província, tentando exercer a profissão. Não foi feliz. A medicina da época, em quase nada diferente da medicina medieval, revoltava Hahnemann. As sangrias e as purgas horrorizavam-no. Custava-lhe prescrever aos doentes drogas que faziam “mais mal do que bem”. Experimentava frequentemente, escreveu a um amigo, a sensação de ser “um malfeitor ou um assassino”.

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A partir de 1784 dedica-se à escrita e à tradução e, em 1790, traduz “Lectures on the Materia Medica”, de William Cullen. Cullen era professor em Edimburgo, integrava o “Iluminismo Escocês”, era amigo de David Hume e Adam Smith. O seu livro mudou a vida de Hahnemann. Atraído por uma referência ao quinino, um alcalóide eficaz no tratamento da malária (então uma doença comum na Europa), Hahnemann faz experiências com a droga e conclui que os sintomas que provoca são “muito semelhantes” aos da própria malária. Retira daí um dos conceitos centrais do seu futuro sistema: “simila similibus” (com a ajuda do semelhante), uma refutação radical do tradicional princípio médico: “contraria contrariis” (com a ajuda do oposto). Em 1810 publicará “Organon der rationellen Heilkunde” (Organon da medicina racional), a sua obra mais famosa. Nascia a homeopatia.

A prática clínica de Hahnemann representou um avanço considerável para a época. Insistia na importância de olhar para o doente como um todo (uma ideia tão correcta então como agora) e foi a sua preocupação com os doentes que o fez recusar os tratamentos habituais na época: as purgas e sangrias e também a administração de substâncias como o mercúrio, com que era mais fácil o doente morrer do que curar-se. O seu sistema podia não curar o doente mas, ao menos, não o matava. A sua reputação acompanhou a sua excelência como clínico. Foi, por qualquer padrão que se queira usar, um homem de sucesso. Professor na escola médica de Leipzig e médico da corte de um dos inúmeros duques da Alemanha da época. Goethe, Beethoven e Paganini foram seus doentes. Nos 50 anos do seu doutoramento, em 1829, 400 médicos assinaram o programa de celebrações, redigido em latim. Morreu em Paris, presidente da Sociedade de Homeopatia francesa.

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Mas Hahnemann era um médico, não um cientista, e a sua criação espelhou o criador. As verdades da ciência são precárias por definição. Devem ser continuamente questionadas e revistas em função de novos factos e hipóteses. A homeopatia recusou integrar essa dinâmica e, ao fazê-lo, colocou-se fora da ciência.

A homeopatia assentava (e assenta), além da similitude entre doença e remédio, na diluição extrema do “princípio activo”: assim se eliminariam potenciais efeitos nefastos. Hahnemann especificou a diluição-padrão em livro publicado em 1811: 1 parte em 100, repetida 30 vezes. Ora uma gota diluída em 99 gotas de água, 30 vezes seguidas, é uma parte em 10030: corresponde a uma gota de substância diluída numa esfera de água com o diâmetro igual à distância que vai da Terra ao Sol. Isto é: num frasco com uma diluição 30C, assim se chama, não há uma só molécula da substância diluída. Ora, qual foi a resposta dos homeopatas quando os progressos da química tornaram evidente este absurdo? Que a água guardava a “memória” da substância. Era essa “memória” que curava. Objecção: mas, nesse caso, a água, que passa por tantos lugares e toca e transporta tantas substâncias diferentes, estaria repleta de “memórias”. Por que haveria de guardar especificamente a memória daquela substância? Resposta: é o método de diluição que faz a diferença. E qual é esse método? O método consiste em bater dez vezes, com o frasco onde se realiza a diluição, numa superfície “firme mas elástica”.

A homeopatia não é uma ciência. É uma fé.

Post-scriptum.
Há tempos saiu notícia de que o BE queria dar direito de cidade a esta e outras “terapias alternativas”. E, percebia-se nas entrelinhas, abrigá-las no Serviço Nacional de Saúde. Sou um liberal: acredito que todos, homeopatas, osteopatas, vedores, fazedores de chuva e cartomantes, são criaturas de Deus e que todos têm o direito de fazer pela vida. Mas isso não justifica que se queira vender gato por lebre com a chancela do Estado. Já basta de modas “inclusivas”.