1. Nas minhas visitas noturnas às antigas canções portuguesas, um dia destes ouvia os Cavalos de Corrida dos UHF, quando um verso (talvez seja esticar os limites da palavra verso) me fez pensar na nomeação de Francisco Louçã para o conselho consultivo do Banco de Portugal.
“Agora que eles picam os cavalos violando todas as leis, agora que eles passam ao assalto e fazem-no por qualquer preço, agora…“ (na realidade, pode aplicar-se à geringonça)
Louçã e o Bloco de Esquerda deixaram cair as máscaras. Para eles, a geringonça serve para chegar ao poder. Esqueçam o investimento público, o crescimento económico, a justiça social. Tudo isso não passa de propaganda. O que conta é o poder. E sobretudo conquistar o poder no Estado. Ser revolucionário é cansativo, especialmente quando a revolução nunca mais chega.
Obviamente que Louça e os seus camaradas bloquistas podem ser nomeados para conselheiros daqui e dali. O problema reside na duplicidade que cada vez mais define os bloquistas, ou pelo menos o “Professor” Louçã. O camarada Francisco fez e faz campanha contra as regras da União Bancária e contra a participação de Portugal no Euro. Usa mesmo palavras violentas contra os governos da zona Euro e agora vai sentar-se no conselho consultivo de uma instituição que deve implementar as regras do Euro e da União Bancária. Uma instituição inteiramente subordinada ao Banco Central Europeu. Louçã aderiu não só à oligarquia nacional, como à oligarquia do Euro. Qual o próximo passo? Uma mudança para Frankfurt? Ou talvez para Washington, para o FMI? A partir de agora, não há limites para a carreira do banqueiro Louçã.
Aliás, a transformação da figura pública de Francisco Louçã tem obedecido a um profissionalismo notável. Primeiro, o Conselho de Estado, onde aparece com o fato e a gravata burgueses. Entre os camaradas, ainda se usa a expressão “revisionismo burguês”? Depois os comentários do “Professor” Louçã na cátedra da SIC Notícias (mais um seguidor do Professor Marcelo Rebelo de Sousa). Simultaneamente, os artigos no Público ao lado de um democrata-cristão histórico, Bagão Félix. Não deixa de ser uma ternura ver esta aliança tão portuguesa ente Marx e a doutrina social da Igreja a malhar no “terrível neo-liberalismo”. Ainda mais admirável é assistir, a partir de agora, uma instituição neo-liberal a consultar o banqueiro Louçã.
Em Portugal, nunca sabemos se são os revolucionários que usam idiotas úteis no seu caminho para o poder, ou se é a sabedoria secular da oligarquia que modera os antigos revolucionários sedentos do poder burguês. Podemos, contudo, estar certos de que a duplicidade do camarada/banqueiro continuará a preencher as televisões portuguesas. Umas vezes, veremos o exaltado Francisco a falar ao seu eleitorado contra o Euro. Outras vezes, ouviremos o Professor Louçã a defender o ministro Centeno por cumprir o défice, “o que o governo de direita nunca conseguiu”. Alguém tinha reparado que Louçã era um grande defensor do cumprimento do défice entre 2011 e 2015?
Também não sei como o eleitorado do Bloco de Esquerda olha para a transformação do trotskista Francisco no Professor Louçã. Sentir-se-á defraudado por ver um dos seus campeões anti-Euro sentar-se num conselho de uma instituição que obedece ao Banco Central Europeu? Será que, como muitos outros eleitores, também começa a sentir-se usado por um político que afinal, tal como muitos outros, apenas prossegue os seus interesses pessoais? Será que já olha para o banqueiro Louçã como um populista oportunista, que usa os votos como uma oportunidade para reforçar o seu poder, fazendo o oposto do que defendeu em campanha? O banqueiro Louçã é mais um exemplo do revolucionário que, enquanto a revolução não chega, se transforma num realista cínico.
2. A manipulação das remessas para offshores pelo PM ficará como um dos momentos mais baixos e indignos da história da democracia parlamentar portuguesa. Um homem que é capaz de recorrer a um truque desses no Parlamento é capaz de quase tudo. Nunca a política foi tão rasca. O mesmo governo que está indignado com as contas offshores faz tudo para esconder os empréstimos feitos pela Caixa Geral de Depósitos durante os consulados socialistas do engenheiro Sócrates. E a história de como o mesmo governo levou a PT à falência, não interessa? Por mim, espero que se saiba o máximo sobre todos estes episódios. Desconfio que parte do dinheiro que acabou em offshores pode estar ligado à falência da PT e aos empréstimos da Caixa. Quem sabe se o PM ainda não acabará a lidar com tempestades depois de andar a semear ventos.