O restaurante na Av. De Berna em Lisboa, “La Gondola”, vai fechar por causa de uma permuta de terrenos entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Montepio Geral na sequência dos planos que a autarquia tem para aquela zona. Não é o mercado que dita o encerramento e demolição da última das vivendas daquela avenida. É a intervenção do Estado, neste caso concreto, através da autarquia lisboeta que quer ali fazer um centro de escritórios (mais um) e redefinir o espaço da Praça de Espanha (“requalificar” para usar o linguarejar dos autarcas).

Ninguém aqui defende a inacção, o congelamento da realidade ou até o restaurante que não se soube modernizar. O caso do “La Gondola” serve como exemplo das malditamente famosas “permutas”, tão vulgares nas autarquias e tão importantes, se não mesmo determinantes, para o que têm sido os excessos cometidos nas urbanizações e na desorganização e desumanização urbana. Um simples cidadão é impedido de fazer uma “casinha” mas um grande construtor é capaz de “convencer” uma câmara a construir uma urbanização em qualquer sítio, o que quer e como quer.

As eleições autárquicas marcadas para 1 de Outubro têm sido mais uma oportunidade para alguns autarcas mostrarem a sua capacidade de desperdiçarem dinheiro dos contribuintes, com obras desnecessárias ou apenas de fachada. Onde foram buscar tanto dinheiro num país basicamente falido e com o seu sistema financeiro preso pois cordelinhos é a grande questão.

Regressamos ao passado, ao exercício do poder, que parece nunca desaparecer, das empresas de construção e obras públicas alimentadas pelo Estado e pelas autarquias. Todos sabem que o problema de Portugal é construção a mais e qualificação a menos. Mas naquele que é o poder mais próximo dos cidadãos, aquele que deveria reflectir melhor os objectivos de sermos um país melhor e não com mais betão, faz-se exactamente o contrário.

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Depois da era das rotundas com relva e obras de arte, chegou o tempo das ciclovias e dos eixos da via com relva. As ciclovias fora das grandes cidades são feitas apenas na lógica de lazer. Em Lisboa, por exemplo, há quem possa usar a bicicleta para ir trabalhar. Mas fora desses centros quem precisa de se transportar de bicicleta é condenado ao esquecimento.

Depois das ciclovias vieram as bicicletas, tudo bons negócios. Nada a dizer em relação a bons negócios. Só são discutíveis quando perante recursos escassos e aplicações alternativas, que deveriam ser prioritárias – entremos pelos bairros de Lisboa para vermos o que se podia fazer com tanto dinheiro, ou até pelas escolas básicas –, as autarquias escolhem a obra de betão.

Num dos episódios do programa de humor brasileiro “Porta dos Fundos” um dos personagens chega atrasado e esbaforido a um encontro de amigos. Porquê? Teve de contornar uma obra. E que obra era essa? “Obra de nada”. É exactamente essa a classificação que merece a maioria das obras a que estamos a assistir nestas vésperas de eleições autárquicas.

Vale a pena perceber, com os resultados das autárquicas, se os eleitores ainda valorizam as “obras de nada”, características de novos ricos. Ou se ainda validam com o seu voto candidatos que a justiça provou terem aproveitado o lugar que ocuparam para enriquecerem, mesmo tendo já pago a sua dívida para com a sociedade – como aconteceu com Isaltino Morais.

O poder autárquico, é um lugar comum, foi “uma conquista de Abril”. A expressão não é apenas um slogan, tem conteúdo. Foi graças ao poder autárquico que muitas infra-estruturas básicas foram garantidas a vilas e aldeias do país. Mas esse trabalho está basicamente concluído, só tem de ser mantido.

É preciso que os autarcas adaptem o seu papel às novas necessidades das suas autarquias e do país. O que significa dar qualidade de vida e concentrarem-se na educação formal e cívica e na humanização das aldeias, vilas e cidades.

Isso faz-se combatendo a construção selvagem, criando bairros humanizados, focando-se na qualidade de vida das famílias e na sua integração nos sítios que escolheram para viver. O que corresponde a criar toda uma rede que facilite a vida das famílias, nas responsabilidades que têm de educar os filhos e apoiar os idosos. São aspectos tão simples como ter uma rede de transportes para as crianças, criar espaços onde possam completar a sua educação noutras frentes, que não apenas o ensino formal, e garantir que os mais velhos têm o que precisam. Sem esta nova forma de exercer o poder autárquico continuaremos a fazer “obra de nada”. E cada vez mais menos pessoas votarão numa eleição que era suposta ser aquela que mais aproxima o poder do cidadão.