Fui aluna de Aníbal Cavaco Silva, na Católica de Lisboa, no primeiro semestre em que regressou à Universidade depois do seu interlúdio como primeiro-ministro e candidato presidencial. Gostei bastante. E não só por me ter dado muito boa nota e ensinado a expressão certa para olhar reprovadoramente por cima de uns óculos a meio do nariz, reprovação que me atirou quando cheguei atrasada ao exame da cadeira e que agora replico com a minha criançada.

Cavaco Silva foi um professor diferente. Pôs a reunificação alemã nos gráficos e nos modelos económicos. Escalpelizou com olhos clínico (ou de académico) as vantagens e os perigos do euro (aprendizagem de que ainda hoje muito beneficio), bem como a necessidade de contas públicas equilibradas. Até então, tirando a crise do petróleo de 1973 (que servia apenas para caracterizar um choque negativo permanente na produção devido ao aumento de uma matéria prima essencial como o petróleo), népias, ou bem que estudávamos a evolução económica dos países nas disciplinas históricas ou bem que estudávamos modelos macroeconómicos, como se fossem uma coisa etérea e desligada da realidade. (E, em bom rigor, são – como aqui escrevi, apesar de divertidos de aprender e úteis.)

Não pude por isso deixar de apreciar (é como quem diz) a indignação por Passos Coelho dar aulas no ISCSP. Não é preciso fazer parte da equipa que endeusa o ex-primeiro-ministro e lhe atribui todas as qualidades da sagrada família mais da santíssima trindade para perceber que PPC será uma mais-valia em qualquer universidade.

Em boa verdade a indignação pela nova carreira de Passos Coelho não é por ser professor catedrático convidado ou por estar numa universidade pública – de resto se há crítica que se pode fazer a PPC é ter protegido o Estado e os funcionários públicos mesmo no meio de um programa de ajustamento, corporação francamente mais poupada em segurança no emprego e até rendimentos que a restante população, em vez de aproveitar o choque da troika para reformar o estado para o encolher e colocar nas suas funções essenciais. PPC foi mais salvador do estado e funcionários públicos que seu carrasco.

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Contudo Passos Coelho teria indignação com qualquer escolha profissional. Porque, e é disso que escrevo, há setores ideológicos que se especializaram no ódio. As críticas a PPC não são escrutínio de um ex-governante. São jarros de cianeto provenientes de metabolismos que o produzem em abundância. Quem critica Passos Coelho são as mesmas pessoas que corriam agoniadas para as redes sociais e para os media denunciar a atroz perseguição à, garantiam-nos, vida privada de Sócrates quando surgiam notícias das investigações do ministério público. Ou quando alguns, poucos, meios de comunicação social noticiavam a vida muito cara parisiense e questionavam como encaixava nos rendimentos apresentados. (Porque bastava saber fazer contas de somar para logo torcer o nariz com tão potente aroma da aldrabice.)

Impressiona (mal) o contraste entre a complacência oferecida a um ex-governante que se foi passear para Paris alegadamente com empréstimos e mesadas da mãe (mesmo se verdade, aparentemente consideram que um adulto em quem se pode confiar decisões políticas de um país pode ter somente este tipo de receitas) e o espumar de raiva por PPC, bem, não se ter tornado um sem abrigo ou caído noutra situação igualmente destituída.

Não é novidade. Os ataques de nervos, inclusive de deputados socialistas, quando revistas rosadas faziam reportagens à sua revelia, tocam campainhas? Que era combinado, diziam as virgens ofendidas, e nenhum político que se respeitasse abastardava assim a sua imagem em revistas do coração. António Costa, mal se viu primeiro-ministro, correu, com a mulher, a falar dos seus pintainhos. Este mês vai ser capa da revista Cristina, atrás de umas lentes cor de rosa, com uma gravata comprada (estou certa) numa liquidação de stock de alguma loja popular da Abkhasia. Não dei pela mais leve crítica dos que arrancaram cabelos com as aparições de Passos Coelho.

E é mesmo preciso lembrar as reações odiosas perante as imagens de uma senhora, que por acaso era casada com o primeiro-ministro, com cancro? Ou os insultos sexistas com o número de filhos de Assunção Cristas ou o seu vestido curto com kiwis?

Mais do que hipocrisia e dualidade de critérios, esta discrepância mostra ódio ideológico. Que está em níveis nunca vistos – pelo menos no Portugal democrático que tenho idade para me lembrar. Ora este ódio, esta demonização e desumanização dos adversários políticos é tão corrosiva para a democracia como o populismo mais grosseiro. De resto, a propensão para o ódio dos adversários e o populismo costumam acompanhar-se. Não espanta que geralmente os vejamos, uma e outro, na extrema-esquerda e na insuportável nova direita americana (não só na alt-right).

Não me convencem que é salutar para a democracia a exibição do mais absoluto desprezo pelos opositores políticos que temos visto. Os eleitores são como os filhos: não respeitam os pais se estes não demonstrarem respeito entre si. Quem gosta de espetar garfos nos olhos dos adversários não consegue negociar compromissos.

É preocupante verificar este nível de ódio também em setores do PS. O que dantes estava reservado ao grupelho de socráticos (da política e comunicação social) por estes dias alastrou-se, qual maré negra tóxica. O António Costa chocarreiro que aparecia quinzenalmente no parlamento perante PPC e Cristas era intolerável de assistir para qualquer pessoa com critérios éticos e estéticos. Não encontro paralelo se não nas boçalidades reiteradas de Trump.

Querem as más notícias? Os ódios dos políticos só passam sem castigo porque reproduzem os ódios do eleitorado. E as boas? Vai ser divertido e, no caso, merecido quando tal ódio cair em cima de Rui Rio. Mas, quando cair, será muito bom sinal para a sua liderança. Finalmente endireitou.