Se Vladimir Putin não realizou o seu programa de reformas durante os 14 anos que se encontra no poder, de quanto mais tempo irá precisar para que se possa ver, por exemplo, uma Rússia moderna e livre da dependência total das exportações de gás e petróleo?
A conferência de imprensa anual do Presidente russo não trouxe grandes novidades e deixou uma vez mais claro que ele insiste em conduzir o seu país para um beco sem saída.
Reconheceu que não foi feito tudo para diversificar a economia russa, para a libertar da dependência das exportações do petróleo e gás, mas voltou a insistir que as principais causas da grave crise financeira e económica que o país atravessa são “externas”. À pergunta de um jornalista russo sobre se o que se estava a passar com a economia russa se devia à anexação da Crimeia, Putin respondeu no tom que lhe vem sendo cada vez mais habitual: “Não se trata do pagamento pela Crimeia. Trata-se do pagamento pelo nosso desejo natural de auto-conservação enquanto nação, como civilização, como Estado”.
E dramatizou ainda mais o discurso nacionalista: “queremos conservar-nos e lutar, tornarmo-nos mais independentes. Para isso precisamos de passar através de tudo isto. Ou nós queremos ver a nossa pele pendurada na parede? Esta é a opção”.
Nesta situação, Vladimir Putin não podia deixar de dedicar bastante tempo da sua conferência de imprensa à Ucrânia. Ele deixou bem claro que a culpa de tudo o que se passa no país vizinho é responsabilidade exclusiva das autoridades de Kiev. Reconheceu que no leste da Ucrânia combatem cidadãos russos, mas sublinhou que se trata de “voluntários”: “Todas as pessoas que cumprem o seu dever por chamamento do coração ou participam voluntariamente em acções militares, nomeadamente no Sudeste da Ucrânia, não são mercenários. Porque não recebem dinheiro por isso”.
Estas declarações fazem recordar a estória dos “homenzinhos verdes” que ocuparam a Crimeia e que, inicialmente, Moscovo negava serem tropas suas. Caso reacenda um conflito armado no Cáucaso, os guerrilheiros islamistas estrangeiros poderão entrar na Rússia e combater contra as tropas de Moscovo “por chamamento do coração”?
Ao mesmo tempo que se afirma disposto a procurar uma solução política para o conflito na Ucrânia, sublinha que “os habitantes da Novorrossia [Leste e Sul da Ucrânia] têm direito a definir o seu destino”, ou seja, aí pode-se repetir o necessário da Crimeia com algumas pequenas alterações. Por exemplo, os soldados russos são substituídos por “voluntários”.
Não se pode deixar de passar ao lado o ataque de Putin contra aqueles que no país não estão de acordo com a sua política externa, chamando, no fundo, “traidores” aos seus adversários políticos: “é difícil ver a fronteira entre oposição e “quinta coluna””.
O dirigente russo tentou demonstrar várias vezes que se sente seguro no Kremlin e que está para ficar. Quando lhe perguntaram se não receia um golpe palaciano, respondeu com sarcasmo: “Acalmem-se, nós não temos palácios, por isso não pode haver golpe “palaciano”. Temos a residência oficial: o Kremlin, ela está bem defendida e é também um factor da nossa estabilidade estatal”.
Vladimir Putin diz conhecer bem a história do seu país, mas parece não ter lido com atenção os capítulos sobre os numerosos golpes palacianos que nele ocorreram. Na era comunista também não havia “palácios” mas, em 1964, Nikita Khrutschov foi afastado com um golpe desse tipo. A propósito, quando estava a passar férias na Crimeia.
Para consumo interno ou externo, o mais importante é que o discurso do dirigente russo endurece e, segundo me parece, isso deve-se ao facto de se sentir encurralado e sem novas ideias, a não ser pensamentos que se julgavam pertencer ao séc. XIX russo.