A pergunta pode parecer o resultado duma distracção: todos os dias vemos Passos Coelho na televisão e nos jornais. Ouvimos-lhe a voz na rádio. O Verão e a doença da mulher puseram-no também nas capas das revistas do coração. Mas apesar disso, ou muito provavelmente também por causa disso, sabemos muito pouco sobre Passos Coelho. E ele, naturalmente, agradece.
Há cinco anos que Passos se tornou líder do PSD. Mas, se repararmos bem, nestes cinco anos Passos expôs-se muito pouco porque havia sempre algo de muito urgente a que tinha de dar resposta. Passos passou para o primeiro plano da política em 2010, ao mesmo tempo que o país entrava na corrida dos PECs, cada um deles sempre o derradeiro e de aprovação tão imprescindível quanto o anterior.
Com o eleitorado do PSD, e sobretudo com aqueles que consideravam impossível continuar a caucionar Sócrates por mais tempo a mostrarem sinais de impaciência crescente, Passos escudava-se invariavelmente na falta de alternativas. Até que chegou o PEC IV. A frase de Marco António Costa que se não é verdadeira é bem achada (“Pedro, ou tens eleições no País ou no partido!”)e a demissão de Sócrates pouparam Passos a ter de se explicar. (Fica sempre a dúvida sobre a decisão que Passos teria tomado caso estivesse no lugar de Sócrates. Pessoalmente arrisco que não se teria demitido.)
Depois vieram o pedido de ajuda externa e as eleições de 2011. Mais uma vez Passos construiu o seu discurso sobre o que tinha de ser. E deu-se bem. Chegou a 2015 à frente do Governo, cumprindo um mandato que quase todos, sobretudo no seu partido, consideravam a prazo.
Para os barões do PSD, Passos, a quem eles acusavam todos os dias de dar sucessivos tiros nos pés, tinha ido ali, em 2011, cumprir aquele período embaraçoso em que ninguém, a não ser um arrivista, estava disposto a ficar na fotografia. Depois, eles, os carregados de apelidos históricos, os que estiveram nos lugares certos no 25 de Abril ou nas sedes maoistas que o tempo tornou bon chic bon genre, seriam chamados a meter as coisas na ordem, num governo de salvação nacional, constituído por notáveis, por figuras, por nomes que são referências a que se juntariam, provenientes da área socialista, outros notáveis, figuras e nomes também eles referências. Passos, o aventureiro passaria a nota de rodapé na muito atribulada história das lideranças do PSD.
Em boa parte tal não aconteceu por culpa de Portas e do PS. Portas, mais a sua estrambólica crise de 2013, ofereceu de bandeja a Passos o cenário para que este se afirmasse, bastando-lhe para tal não se demitir, ou seja, fazer o contrário do que esperavam os notáveis, as figuras, os nomes que são referências e os jornalistas.
Depois veio a proposta de Cavaco Silva: um acordo com o PS que implicava a antecipação das eleições, proposta que na prática era uma entrega de mão beijada do poder ao PS. Mas o PS, cativo de si mesmo e dos seus ódios, rejeitou esse acordo, cometendo aquele que um dia os socialistas perceberão ter sido um dos seus maiores erros. Porque teriam muito provavelmente conseguido maioria absoluta e porque ainda iam a tempo de evitar que Passos saísse como vencedor da crise de 2013 e chegasse enquanto primeiro-ministro tranquilamente ao fim deste mandato. Em 2013, Passos mostrou como consegue transformar numa cortina protectora as dificuldades desse quotidiano político que leva muitos outros líderes a exporem-se e a desgastarem-se.
E agora, em 2015? Agora cabe perguntar, se caso estes quatro anos tivessem sido fáceis ou, melhor dizendo, se não tivessem sido vividos sob clima de emergência, Passos estaria hoje a disputar o lugar de vencedor nas próximas eleições? Tentar responder a esta pergunta leva-nos ao que não sabemos sobre Passos Coelho. Por exemplo, como reagiria ele num país em que a urgência não fosse o cenário que lhe permite mostrar um invejável auto-controlo, no meio de uma classe política que confunde agitação com acção? O que diria e defenderia caso a crise não o tivesse colocado cinco anos a falar sobre o dever e o que teve de fazer?
Passos Coelho revelou-se um bom líder de crise. O que não sabemos é se também é um bom político para tempos normais. Aqueles em que se tomam as decisões que nos levam às crises.