Guterres tentou vender a TAP. Sócrates tentou vender a TAP. E Passos Coelho está a tentar vender a TAP. Diferenças, há uma: desta vez é muito provável que aconteça. E a iminência da privatização assustou muita gente que, passados estes anos, subitamente encontrou nessa intenção um plano neoliberal. Não me vou alongar aqui acerca da privatização, que vejo como necessária para salvaguardar a prestação de um serviço público de qualidade. O que pretendo é discutir a opção do Governo pela requisição civil e este tipo de greves drásticas como “arma” negocial.
Ao contrário do que defende André Azevedo Alves, acho que o Governo fez bem e que a requisição civil não foi um erro político. É que, por definição, os cidadãos confiam no Estado para a defesa do interesse público, e esse estava a ser duplamente atacado. Na desvalorização da empresa (cujo valor para a privatização será avaliado em função do seu desempenho em 2014). E no boicote às reuniões familiares de milhares de portugueses nesta época natalícia (que não tinham alternativa de transporte). Tratando-se de uma companhia aérea, se isto não é um caso extremo, ao ponto de justificar uma requisição civil, é difícil de imaginar o que seria de facto uma situação extrema. Mais: em termos negociais, a defesa do interesse público não pode estar dependente de interesses particulares ou de chantagens. O Estado tinha, portanto, o dever de agir no sentido em que agiu.
De resto, na avaliação desta opção do Governo não pode ser ignorado o actual endurecimento de greves no sector público, surgidas frequentemente em momentos críticos do funcionamento dos respectivos serviços. É o caso desta greve na TAP, em plena época alta de ligações aéreas devido ao Natal, como foi o caso da greve dos professores aos exames nacionais, no Verão de 2013. O que é grave é que, em ambas, fica evidente uma certa disposição negocial dos sindicatos para sacrificar o próprio serviço público na defesa dos seus interesses particulares.
Foi isso que sucedeu nesta greve: porque se opõem aos efeitos que a privatização poderá ter na sua condição laboral, os sindicatos dos trabalhadores da TAP revelaram-se dispostos a sacrificar a companhia e a prejudicar a prestação de um serviço público. E, quando isso acontece, tem de existir da parte do Estado uma resposta à altura: o interesse público não se pode subjugar a interesses particulares.
É claro que alguns alegam que não são interesses particulares que estão em jogo, mas sim a verdadeira defesa do interesse público – neste caso, a resistência à privatização da TAP. Desculpem, mas não é verdade. Primeiro, porque se a questão é a privatização, esse é um dossier político, a ser debatido pelos partidos políticos com o Governo, e não pelos pilotos. Segundo, porque nesta greve sempre estiveram em causa assuntos particulares, e não de interesse público.
Para o confirmar, basta consultar a irrealista lista de exigências dos sindicatos da TAP. E basta ver a razão que levou a que não se conseguisse acordo entre estes e o Governo: os pilotos querem uma fatia maior das acções da companhia, sem contrapartidas financeiras. Agora expliquem-me: de que modo é que a pretensão dos pilotos, que impediu o acordo entre sindicatos e Governo, é parte da defesa do interesse público?
O que me choca realmente é que este tipo de iniciativas sindicais – irrazoáveis e claramente motivadas por interesses particulares – reúna tamanho apoio na opinião pública. Mas aí está a hipocrisia do debate: ninguém quer saber o que motiva os sindicatos, desde que a oposição ao Governo seja feroz e provoque danos políticos. Daí que haja tamanho aproveitamento político destas iniciativas sindicais por parte de partidos políticos cuja representação na Assembleia da República é minoritária. É neste ponto que estamos: o que verdadeiramente interessa a todos é que estas greves são o mais apreciado e eficaz instrumento político para encostar ministros à parede.
Ora, isso parece justificar tudo. Incluindo afirmar, como faz Mariana Mortágua, que esta greve defende os emigrantes portugueses, mesmo que estes ficassem privados de passar o Natal em família (como se a privatização acabasse com as rotas aéreas). Se as razões acima não fossem suficientes, até para combater esta hipocrisia a requisição civil foi uma boa solução.