Os ataques ao juiz Carlos Alexandre, conduzidos por personalidades próximas do poder, continuam a penetrar acriticamente pelo debate público adentro. Sem contraditório, sem perguntas e, claro, sem respostas. E se existem muitos casos que ilustram esta situação, nomeadamente na política, nenhum é tão exemplificativo quanto o do Daniel Proença de Carvalho, o advogado “mais influente e poderoso do país” que, até recentemente, advogou o ex-primeiro-ministro – ao seu lado, enfrentou processos como o “Freeport” e processou mais de uma dezena de jornalistas.
Na semana passada, Proença de Carvalho deu uma entrevista à revista Visão (12-03-2015), que serve o propósito de outras declarações suas do passado: criticar a justiça e o juiz Carlos Alexandre, vindo por essa via em defesa de Sócrates e de Ricardo Salgado. Primeiro, acerca da prisão preventiva do ex-primeiro-ministro – sugerindo que não tem fundamento e que não existem provas consistentes para o acusar. De seguida, na desqualificação do juiz Carlos Alexandre, o “superjuiz dos tablóides” – um juiz que tem “estados de alma” e que não aprecia os casos “exclusivamente de acordo com critérios legais”. E, depois, na reprovação da actuação do Governo na resolução da situação do BES – para o advogado, o banco de Ricardo Salgado teria condições para ultrapassar esta crise caso o Estado tivesse ajudado (como ajudou outros).
O problema não é a opinião. Proença de Carvalho é livre de pensar e dizer o que quiser sobre o BES, sobre Sócrates e sobre a investigação que o conduziu à actual prisão preventiva. Mas, já que o faz com regularidade, convinha aclarar igualmente o contexto das suas afirmações e acusações.
É que, de facto, resistem várias dúvidas quanto a esse contexto. Qual a relação que Sócrates teria tido na compra da Controlinveste (DN, JN, TSF, O Jogo), da qual Proença é hoje chairman? Qual a influência que o ex-primeiro-ministro teria tido – como escutas publicadas indiciam que teve – na escolha do jornalista Afonso Camões para a direcção do JN? Por que razões não considera existir uma incompatibilidade ética entre ser chairman de um grupo de comunicação e, através desse grupo, defender pessoas que lhe estão profissionalmente associadas – como defendeu Sócrates na TSF, no seguimento da sua detenção e do motorista João Perna, que o seu escritório representou? E por que razão não vê implicações na coincidência de ser o mais reputado crítico do juiz Carlos Alexandre, quando este é responsável pela investigação ao ex-primeiro-ministro e ao banqueiro Ricardo Salgado, seu cliente?
Sobre estas questões, nem uma palavra. E, em boa verdade, se Proença de Carvalho deve explicações e só lhe ficava bem afastar quaisquer dúvidas sobre estas matérias que relacionam vários dos seus interesses profissionais, a ausência de respostas nesta entrevista não é apenas da sua responsabilidade: é que nenhum dos dois jornalistas da Visão se lembrou de perguntar. Por certo, por não considerar pertinentes estas dúvidas que têm marcado o debate público.
Enfim, se a oportunidade para os esclarecimentos de Proença de Carvalho ficou por aproveitar, nem tudo se perdeu. De facto, o acaso de a entrevista ter sido publicada em vésperas de um momento importante do caso Sócrates – a apreciação do pedido de habeas corpus – ajuda-nos a enquadrar a estratégia de defesa do ex-primeiro-ministro. É cada vez mais claro que, seja nos tribunais, seja no debate público, a defesa de Sócrates está assente numa estratégia: o ataque à competência do Ministério Público e do juiz Carlos Alexandre.
Assim, há declarações de políticos, há comentadores desconfiados da Justiça, há ameaças de Mário Soares, há pedidos de habeas corpus sustentados em tecnicismos formais (i.e. na incompetência do Ministério Público). E há entrevistas de Proença de Carvalho. São muitas as vozes, mas é apenas uma a “narrativa”.