Foi recentemente publicado o relatório da Auditoria do Tribunal de Contas sobre o “Acesso a Cuidados de Saúde no SNS”.

Aí se afirma, entre outras coisas, que “o incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos aumentou, no triénio, de 25% em 2014 para 29% em 2016, invertendo a tendência de melhoria que se verificava desde 2011 (31% nesse ano).” Noutra passagem, pode ler-se que “o incumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantida (TMRG) nos utentes operados aumentou no triénio e foi maior nos casos mais prioritários. Nos doentes com doença oncológica, 8.621 utentes, quase 20%, foram operados, em 2016, para além do tempo que seria recomendável.”

Pergunto-me se o português médio, o normal utente dos serviços de saúde, sabe efetivamente o que quer dizer “Tempo Máximo de Resposta Garantido” (TMRG). Sem margem para dúvida, os utentes percecionam quotidianamente os atrasos nas marcações das consultas, a dificuldade do agendamento de uma cirurgia, o tempo que decorre desta a inscrição numa lista de espera até ao esperado e necessário ato médico. Mas será que sabem o que significa aquela expressão recorrentemente utilizada pelo Tribunal?

Numa palavra, será que os portugueses conhecem os seus direitos enquanto utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS)? Se não conhecem, como podem exigir dos serviços, individualmente ou em associações, o seu cumprimento?

A lei obriga o Ministro da Saúde a publicar anualmente a Carta dos Direitos de Acessos aos Cuidados de Saúde, donde constem os ditos TMRG para a generalidade das prestações de saúde, ou seja, cabe ao Ministro fixar e publicar os prazos clinicamente adequados para a realização de determinados atos médicos (v.g. consultas, cirurgias, exames complementares de diagnóstico). Para fornecer um exemplo, atualmente o TMRG para uma cirurgia em caso de doença oncológica, qualificada com a gravidade de nível 1, é de 60 dias, já se for qualificada como de nível 4 (que é o máximo), o doente deve ser admitido no serviço até 72 horas contadas do primeiro contacto com a instituição.

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Estes tempos clinicamente adequados não estão, portanto, na disponibilidade dos serviços de saúde. Devem ser cumpridos, por determinação da lei. Aliás, de nada serviria a consagração constitucional de um direito de acesso ao SNS se a prestação efetiva dos cuidados de saúde não fosse em tempo clinicamente adequado. No limite, do cumprimento destes TMGR pode depender a vida e as possibilidades de tratamento eficaz dos doentes.

Portanto, a violação dos TMRG traduz o incumprimento de uma verdadeira obrigação jurídica. Eles não são uma mera recomendação aos serviços. Nesta medida, para além do direito de queixa para a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e das eventuais sanções a aplicar aos serviços incumpridores, o utente pode lançar mão de todos os meios jurisdicionais que tem ao seu alcance, cautelares ou principais, para exigir a realização ato médico no SNS ou em instituição convencionada (por exemplo, exigindo a emissão de um “vale cirurgia”). Em caso de persistência na omissão, os utentes têm direito à reparação dos danos causados pelo atraso, designadamente os sofridos com o recurso a uma instituição privada de saúde que assegure a prestação devida.

Por outro lado, a violação do tempo clinicamente aceitável para a prestação de cuidados de saúde, habilita o utente, de acordo com a legislação nacional e europeia, a recorrer a uma instituição de saúde de outro Estado membro da UE, com vista a receber a prestação a que teria direito no país de origem, com o respetivo custo suportado pelo Estado incumpridor.

Se há domínio da relação do Estado com os cidadãos em que deve haver clareza e verdade é o das condições de acesso aos serviços de saúde. Também aqui, a conclusão do Tribunal de Contas sobre “a diminuição artificial das listas e dos tempos de espera” por parte do Ministério da Saúde, não pode deixar de merecer um veemente repúdio.

Talvez quando os cidadãos começarem a conhecer os seus direitos, a administração pública e os governantes comecem a levar mais a sério os seus deveres.

Tiago Macieirinha é docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa