Renascença: Marcelo diz que “É tempo de apurar tudo sem limites nem medos”

Observador: Marcelo. “É preciso “apurar tudo, mas mesmo tudo, o que houver a apurar”

Expresso: Marcelo Rebelo de Sousa quer que o parlamento aprove, antes das férias, um pacote legislativo global que abarque várias áreas, do ordenamento florestal às questões penais. “Sobre tudo, mas tudo é tudo“.

O que se passa? Do que tem medo Marcelo? Ou melhor dizendo de quem tem medo? Porque insiste e repisa Marcelo como se estivesse possuído por uma fúria enfática naquele tudo que é “mesmo tudo”? Afinal se vamos apurar algo não é precisamente para apurar tudo? Que parte é essa que o Presidente teme que fique fora desse tudo que exige conhecer? E porque fala o Presidente de limites e de medos? Mas esses limites podem ser colocados por quem? E os medos quanto são? Serão dois medos? Três medos? E quem tem medos? E de quê ou de quem?…

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Não, isto não é apenas Marcelo, qual silicone da situação, a tentar preencher todos os pontos de fuga. Há de facto um medo instalado. Em primeiro lugar, o medo que um povo experimenta quando não vê o seu Estado. Em Pedrógão não aconteceu um erro. Negligência. Ou falha. Tudo isso já tivemos e continuaremos a ter. Porque somos humanos. Não, o que aconteceu em Pedrógão foi doutra natureza e apenas tem paralelo com as cheias de 1967: o Estado não estava lá. As pessoas gritaram, as pessoas pediram socorro, as pessoas fizeram o que as autoridades mandaram…e morreram.

Nos dias seguintes enterraram-se os mortos e procura recuperar-se o quotidiano mas, latente, ficou a memória daquele dia em que os portugueses ficaram entregues a si mesmos. E tiveram medo. É desse medo que Marcelo e o Governo têm medo. Porque pode ser terrível aquilo que um povo faz para não sentir medo. E por isso, todos, Governo, Presidente e povo repetem a si mesmos, desde 17 de Junho, que não pode haver uma segunda vez.

O imprevisível, seja esse imprevisível umas cheias, um fogo florestal ou um engarrafamento em cadeia, tornou-se consequentemente no terror de quem nos governa. Porque para o previsível ou seja para os dados da economia, da situação financeira, da educação, saúde… chegam, ou por enquanto parecem chegar, a língua de pau da devolução dos rendimentos, da experiência pedagógica inovadora, “do desenvolvimentos de políticas que representam uma viragem” devidamente envolvidos nos amplexos presidenciais.

É do imprevisível que o Governo e o Presidente temem que venha aquele momento em que o falhanço do Estado se torna óbvio. Porque esse mesmo Estado que regulamenta e taxa tudo, que absorve quase metade da riqueza produzida no país, que determina o que comemos, como morremos, o que dizemos aos nossos filhos, como devemos gerir as empresas que criamos; esse Estado cheio de “meninas César” que saem das faculdades direitinhas para as autarquias, as empresas públicas e os institutos onde decidem taxas, licenciamentos, exigem sempre mais um documento, mais uma assinatura e mais um certificado, esse Estado falhou clamorosamente no que tem como sua primeira missão: defender os cidadãos.

Infelizmente para nós a solução governativa que permitiu a António Costa ser primeiro-ministro desmontar-se-á porque um dia os portugueses serão confrontados de novo com um outro desastre. Já foi assim com José Sócrates e receio que venha a ser assim com António Costa. São os desastres, o imprevisível, o que vem de fora da cidadela mediática de Lisboa, que fazem os governos socialistas chegar ao fim.

Por muito que nos custe quem pôs fim à carreira de Sócrates não foi a capacidade da oposição para desmontar a sua demagogia mas sim a Justiça pois nem esse momento em que teve de fazer o pedido de ajuda externa foi suficiente para mostrar a mentira em que se baseavam as suas políticas, que aliás voltaram agora para gaudio dos seus antigos promotores. Estes últimos, devidamente desembaraçados do seu anterior patrono (é aliás vergonhoso o espectáculo dessa gente que agora faz de conta que não conhece Sócrates de parte alguma), voltaram ao poder com Costa e já começam a esvoaçar em torno de Fernando Medina que para efeito da sagração mediática já recebeu o cognome que Sócrates arvorava nos seus belos tempos: menino de ouro.

A diabolização de quem a contesta – agora é austeridade já foram o neoliberalismo, o fascismo, a reacção, o capitalismo, o imperialismo – tem bastado à esquerda não apenas para ganhar as eleições mas, não menos importante, para questionar a legitimidade de qualquer um que mesmo tendo mais votos não tenha o seu aval. Donde a catástrofe, resulte ela de um incêndio ou de um factor externo, como os mercados, que não se conseguem controlar com a verborreia do costume, se ter tornado naquilo que os socialistas realmente temem. Quanto ao resto têm tudo sob controlo. Tudo, mas mesmo tudo, senhor Presidente?

PS. Ninguém consegue perguntar aos antigo Presidente, Jorge Sampaio, que avaliação faz do actual funcionamento das instituições?