Janeiro, 2017

Sempre gostava de saber quanto pagaram as Câmaras deste abençoado país, que se queixa como de costume de não ter dinheiro, pelos denominados “festejos natalícios”: iluminações, fogo de artifício, festivais, concertos, marchas, policiamento (porque certos prazeres não vão sem policiamento) e outras folias. Na Madeira parece que só o fogo de artifício custou um milhão e oitocentos mil euros e custou de certeza muito mais por Portugal inteiro. As pessoas precisam de se divertir, claro. Mas não estava ainda estabelecido que o Estado devesse fornecer felicidade e entretenimento à cidadania. Agora, ninguém escapa a essa dolorosa obrigação. Por causa do turismo? As receitas não chegam para as despesas; e nada mais melancólico do que o espectáculo de 100 ou 200 mil indivíduos no Terreiro do Paço, que precisam de se juntar para se sentirem um pouco menos tristes. Se o Estado confiscasse às Câmaras o dinheiro que gastaram nestas futilidades, não faltariam maneiras de o usar inteligentemente. O ano acabou mal.

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Quando o papel se tornou mais barato, por volta de 1860, apareceram por toda a parte milhares de jornais. Em Portugal também, e isso ao princípio foi um escândalo de grandes proporções. Em Lisboa e no Porto, havia dezenas. Mas cada distrito e quase cada concelho tinha um, ou por iniciativa local ou pago pelos partidos políticos. Pior ainda, para se atrair o público da pequena imprensa da província, os jornais de grande circulação passaram a contratar correspondentes nos mais remotos cantos do país. Milhares de pessoas enchiam diariamente toneladas de papel. De longe em longe, com boa prosa e notícias fiáveis; diariamente, com calúnias, impropérios e demagogia, em prosa de taberna. Como um todo, a imprensa era a versão primitiva de uma “rede social”. Ninguém se incomodava com isso, excepto os jornalistas que se davam excessiva importância. Num regime liberal (ou democrático), a necessidade de participar era geralmente reconhecida e até certo ponto respeitada. As “redes sociais” cobrem hoje muito mais gente. Ainda bem. O mal seria um público indiferente ou apático.

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Marcelo não é um produto político, é um produto da RTP e da TVI, mas não percebeu ainda uma das regras básicas da sua verdadeira profissão ou confundiu o papel de Presidente da República com o seu antigo papel de entertainer. As pessoas gostavam das conversas com Judite de Sousa porque queriam passar um bom bocado a ouvir dizer mal dos senhores que nos pastoreiam e que todos nós detestamos do fundo do coração. O dispensador de “afecto” (seja lá o que isso for), com os seus beijinhos, as suas selfies, os seus beberetes, a sua falsa naturalidade e o seu falso sorriso, também diverte e também não explica. E pior do que isso faz com que Marcelo entre dia a dia pela nossa casa adentro, sempre com a mesma fita e futilidade. Esta over-exposure, que o mais mesquinho cómico tenta evitar para não perder a graça, não incomoda Marcelo. Para ele, quanto mais melhor. Não calcula quanto tempo vai a populaça achar graça ao espectáculo, nem mede a dificuldade de mudar de pele, quando tiver de dizer à populaça: “Hoje, minhas senhoras e meus senhores, não estou aqui como o Marcelo do Afecto, estou aqui como Presidente da República”. Ninguém acredita. Mas, fora isto, o quê? E é precisa uma solução porque a cidadania resolveu ignorar, e bem, o discurso de Ano Novo de Marcelo (?), do Presidente (?), de quem ao certo? Só 637.000 pessoas o ouviram, a mais baixa audiência de sempre, tirando as de Cavaco em 2013 e 2016, e longe das dele próprio na TVI (entre um milhão e meio e dois milhões). Um destes dias, o homem acaba a falar sozinho.

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O título “Diário de Notícias” é um programa. Quando o jornal foi fundado queria dizer que só daria notícias e, principalmente, que seria apolítico, ou seja, que tencionava ignorar as lutas partidárias do tempo. Mas de facto o DN acabou por se tornar no órgão oficioso do governo e das dezenas que vieram depois, durante cem anos (excepto, que me lembre, com Mário Mesquita e, a seguir, com Mário Bettencourt Resendes). Não admira que esta admirável instituição tenha resolvido despedir o meu amigo Alberto Gonçalves. O objectivo dos patrões do DN é viver em boa harmonia com o governo, de maneira a conseguir um “jeitinho” ou outro, um favorzinho ou outro. Alberto Gonçalves, um homem de convicções e com pouca paciência para aturar idiotas, e com prosa sarcástica, penetrante e clara, estragava este suave entendimento. A nossa direita continua incuravelmente estúpida.

(Nota da Redação: O que precede já estava escrito e entregue quando foi conhecida a notícia da morte de Mário Soares. Vasco Pulido Valente tenciona escrever longamente sobre a pessoa e o papel de Mário Soares na próxima semana.)