David Cameron quebrou no passado fim de semana o silêncio do Ocidente relativamente aos massacres do mundo Islâmico. Fê-lo sem meias-medidas, com uma assertividade e elegância muito british, quebrando o politicamente correcto, tomando posições, comprometendo-se e arriscando um discurso com fortíssimas implicações políticas. Em suma, fez em dois minutos e meio o que nenhum outro líder ocidental ousou fazer desde o despontar do Estado Islâmico.
A coragem do primeiro-ministro britânico ao assumir “devíamo-nos sentir orgulhosos em dizer: ‘Este é um país Cristão.’” é rara nos dias que correm, pode parecer algo singelo, auto-evidente até, mas é tudo menos isso. À ditadura do relativismo em que vivemos, repugna tal firmeza de posições, endeusa-se antes o consenso e a neutralidade. A generalidade dos nossos líderes políticos vive no medo de excluir, desagradar ou afastar. O simples receio de ser atacado por lobbies ou acusado de intolerância religiosa, sectarismo, etc., afastaria o mais audaz de declarações semelhantes. Ora, este banho-maria ideológico, que nada afirma com medo de tudo negar, pode até ser sustentável em tempos pouco conturbados, mas quando o preço da inacção que promove começa a ser demasiado alto, mostra o seu vazio e incapacidade de fazer frente a reais problemas.
A pressão sobre os EUA e UE aumenta ao ritmo de cada novo massacre. A crescente indignação da sociedade civil, dos media e organizações humanitárias, começa a por a ridículo o impasse de quem foi eleito para tomar decisões. Questiona-se por toda a parte se não existem afinal dois pesos e duas medidas no que diz respeito a operações militares no Médio Oriente. Na ausência de poços de outra natureza, a obrigação moral de auxilio aos mais desprotegidos, tão usada no passado como razão maior de inúmeras intervenções, parece ser hoje um buraco onde ninguém se quer meter.
Cameron cortou com tudo isto. Sozinho entre iguais, decidiu abrir o jogo. Afirmou, sem rodeios, a identidade cristã do Reino Unido e lembrou a obrigação britânica de auxiliar aqueles que, mesmo distantes, partilham essa mesma identidade. Sobrou-lhe ainda tempo para numa tirada democrática brilhante na sua simplicidade e clareza, explicar que o respeito pela diversidade religiosa não pode nunca conduzir à negação daquilo que é, não só um património cultural, histórico e civilizacional, mas também, o simples espelho de uma realidade: a esmagadora maioria da população Britânica é cristã.
A relevância do acto do primeiro-ministro britânico reside no facto desta identidade ser partilhada por todo o mundo ocidental. Não só mais de 70% dos habitantes da Europa e EUA se afirmam como cristãos, como a herança histórica e cultural judaico-cristã que recebemos rodeia-nos inevitavelmente. Pensamos de forma cristã, defendemos valores cristãos e o nosso Direito e modelos económicos revelam de forma inegável esse cunho. Ignoro se o leitor ou Obama se vêm como filhos de Deus, para o caso, o que interessa, é que somos certamente filhos do cristianismo, o que transforma o discurso do primeiro-ministro britânico num claro apelo a todo o mundo Ocidental para se unir na ajuda aos cristãos do Médio Oriente.
Para que se tenha uma ideia, nos primeiros três meses de 2015, grupos extremistas Islâmicos massacraram mais de 7,000 cristãos em países como o Iraque, Nigéria, Egipto, França, Paquistão, Líbia, Síria, Quénia ou Filipinas. Mais do dobro das vítimas do 11 de Setembro. Homens, mulheres e crianças mortos em nome da fé que o Ocidente professa. Se o Ocidente não lhes estender a mão, quem o irá fazer?
Seria fundamental que a atitude de Cameron fizesse escola junto dos restantes líderes Ocidentais, que Europa e EUA se unissem para por termo à barbárie. Muitos dirão que as palavras de Cameron não passam disso mesmo, palavras. Contudo, creio haver motivos para esperança. É possível discursos não levarem a qualquer acção, mas em política é difícil conceber acções sem um prévio enquadramento que as justifique. Cameron já deu esse passo. Resta-nos esperar que o seu “We stand with you” não seja apenas para inglês ver.
Licenciado em Ciência Política, a trabalhar em Genebra