O camaleão é um animal curioso. Não tanto por conseguir mudar de cor quando mais lhe convém, mas, neste caso, pelo dois olhos que tem – um move-se independentemente do outro. É o olhar camaleónico. O tal que a ocasião impôs como necessário para se assistir ao duelo de Portugal com a Irlanda. Porquê? Um olho ficou atento ao jogo, e o outro reservou-se para Cristiano Ronaldo e o seu joelho esquerdo.
Depois de tanta notícia, polémica, tendinose e entrevista a médicos, o capitão da seleção estava de volta. Ufa, suspirou o adepto — e Paulo Bento com ele. Pela primeira vez, o seleccionador teve disponíveis os 23 que meteu na bagagem para o Mundial do Brasil, mas nem isso o livrou de fazer mais umas quantas experiências. E notou-se nos 11 preferidos para começarem o encontro – Ricardo Costa era o central que fazia companhia a Neto e, à direita, Ruben Amorim aparecia na posição que em tempos o fez teimar com Jorge Jesus, no Benfica.
No minuto inaugural, Ronaldo toca logo na bola. Rodopia, dribla um inimigo e arranca, até soltar um remate que sai frouxo e rasteiro até às mãos de Forde. Força e agilidade, ok.
À frente, no meio campo, regressava a amizade Meireles-Moutinho e, à esquerda, o íman Ronaldo. No banco, embora recuperado, estava Pepe. Mas só ficou sentado durante dois minutos. Ele e todos os outros suplentes. Nem 120 segundos se contavam quando uma bola roubada por Ruben Amorim chegou a Varela, na direita, e o extremo direitinha a cruzou para a cabeça de Hugo Almeida fazer o resto. 1-0 e um bom começo. Portugal não abrandou.
A bola era da seleção, os jogadores faziam questão que fosse e apertavam qualquer camisola verde que a tivesse nos pés. A defender, a ordem era para pressionar, sobretudo para a tripla William, Meireles e Moutinho. Depois, com Ronaldo em campo, era recorrer ao processo que está no chip de qualquer cabeça que jogue na seleção nacional – caso a bola seja recuperado no meio campo português, é metê-la o mais rápido possível no capitão.
Aos 4 minutos, a imagem de marca portuguesa: uma bola é recuperada e chega a Ronaldo. Perde-a. Aos 5, recebe a bola de costas para um irlandês e falha um. Com 10 minutos no relógio, sai da ala, vem ao círculo do meio campo e escorrega quando recebe a bola.
Só a relva não ajudava. Via-se que estava alta e abrandava a bola com inércia cada vez que esta rolava. Aos 14 minutos, Ronaldo recebe uma bola à entrada da área e remata de pé esquerdo, com a perna da tendinose, para Forde defender. Confiança no joelho, ok. Sempre que a seleção ficava mais de 10 segundos com a companhia da bola, Ronaldo saía da ala. Dirigia-se ao meio e por lá ficava, a mexer-se, a fugir de irlandeses e a colocar-se à mercê de um passe.
É isso que faz aos 20 minutos, quando Fábio Coentrão o encontra duas vezes e, na última, recebe de volta a bola, na esquerda, vinda do calcanhar de Ronaldo. Depois levanta a cabeça e tanta cruzar a bola, que bate no pé de Ward e passa por cima de Forde. O poste direito deu uma ajuda e Portugal recebia um auto-golo do nada. 2-0. A trapalhada acordou os irlandeses. E o pé esquerdo McClean. Até ao intervalo o extremo não fez nada de perigoso para Rui Patrício, mas insistiu em cruzar e cruzar bolas para a área portuguesa. Queria reagir.
Antes do auto-golo irlandês, Ronaldo acelere durante uns 10 metros para receber o primeiro passe de Coentrão. Arranque, check. Aos 19 minutos, num livre, bate uma bola que acaba no poste direito da baliza irlandesa, após desviar na barreira.
Mas quem reagia era Varela que, quando lhe voltaram a pedir um cruzamento, outra vez teleguiou a bola rumo a uma cabeça portuguesa. Desta feita a de Ronaldo (já agora, impulsão ok), que cabeceou a bola para Forde defender e a deixar à frente de Hugo Almeida, que a rematou para fazer o 3-0. Era o 16.º golo do avançado na seleção, marca que, como festejo, o levou a enrolar a ponta do bigode.
O intervalo chegava e, quando o jogo voltou, a seleção ainda tinha Cristiano Ronaldo. O capitão regressava ao relvado e, por momentos, era um dos que terá sentido que no MetLife Stadium se estava a realizar um jogo entre amigos. Ao 52 minutos, a Irlanda ganhou um livre à entrada da área e, enquanto os portugueses se viravam de costas e pensavam em formar a barreira, marcou rápido a falta para McClean ser também rápido a rematar à baliza. 1-3, e não podia ser.
Em dois minutos, (55 e 57 minutos), Ronaldo marca dois livres à sua maneira: com força. Não se queixa, a perna de apoio aguenta. Perna esquerda, double check.
A seleção não gostou e por isso também foi pronta a reagir. Aos 57 minutos, uma bola parada por um livre dá a Ronaldo um remate que só não entra na baliza porque Forde a segura. À hora de jogo, um contra-ataque começa no capitão que, com dois irlandeses perto de si, sedentos por lhe roubarem a bola, levanta a cabeça e atira um passe para Varela, que não consegue dominar a bola.
Ao 65.º minuto, já chega. Ronaldo sai, sem queixas, e vai descansar para Nani ir correr. O extremo assim faz e agita as coisas. Pede a bola, dribla com ela e cruza-a várias vezes para a área, sempre com o destino certo. É o que faz aos 78 minutos, quando Vieirinha o chama e Nani lhe mete a bola na cabeça. O cabeceamento do extremo do Wolfsburgo ainda é defendido por Forde que, à semelhança do terceiro golo português, dá hipótese de recarga. Vieirinha diz que sim e faz o 4-1 — o seu primeiro na seleção.
Cinco minutos passam e a Irlanda pouco faz. Tem mais tempo a bola, até se aproxima da área portuguesa, mas Neto faz o que fez durante hora e meia: pôs-se no caminho de tudo quanto era intenção inimiga para fazer mal à baliza de Rui Patrício. O central do Zenit, afinal, acaba por ser titular em dois dos três encontros de preparação e, pelo andar das coisas, arrisca-se a ser um dos onze portugueses que, a 16 de junho, começarão o jogo contra a Alemanha, o primeiro que a seleção fará no Mundial.
A partida não acaba sem o golo de Coentrão, o 5-1, aos 83 minutos – e a segunda assistência de Nani, que entrega a bola após o defesa do Real Madrid o ultrapassar, por dentro, em sprint. Pouco depois, the end. Vitória gorda e vistosa de Portugal, que chegou no único encontro que realizou contra um adversário que não estará presente no campeonato do mundo. Isso notou-se, mas também se viu que, com Meireles e Moutinho ao meio, com Ronaldo (e as arrancadas, os sprints e o farol que representa quando é preciso contra atacar) em campo ou com Nani e Coentrão inspirados, a coisa funciona bem. E melhor.
Agora, chega de testes. A 16 de junho já será a valer. A sério, com três pontos à mistura e uns alemães do outro lado do campo. E, se o boletim clínico permanecer limpo até lá, Paulo Bento voltará a ter os 23 disponíveis para escolher os 11 melhores.