Entendimento. Se não foi a palavra mais repetida, é pelo menos a palavra que melhor caracteriza o ambiente em que se desenrolou o debate desta manhã entre o ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e António Costa, ainda presidente da Câmara de Lisboa e candidato às primárias do PS, na Universidade Católica. A troca de mimos entre os dois foi clara, mesmo na cordialidade que se manteve nos (poucos) pontos de discórdia. Entendimentos de regime, acordos a dez anos, regionalização e descentralização do Estado ou um papel do Presidente da República mais ativo e catalisador, foram alguns dos pontos que os dois históricos autarcas passaram em revista como formas de melhorar o sistema político. E sobre os quais concordaram.
Outro ponto, mais sensível, em que houve acordo foi o da antecipação das eleições: Rui Rio disse que há “argumentos pró e contra”, mas inclina-se “mais para uma antecipação das eleições, para separar as legislativas das presidenciais e rapidamente resolver o problema da governação a prazo”, destacou. Já António Costa disse que “devia haver um consenso para que houvesse uma antecipação técnica, para dar tempo para alinhar com a normalidade dos calendários orçamentais”. Isto porque “eleições em Outubro [de 2015] dá um Orçamento em Abril ou Maio [de 2016]”. Mas o candidato nas primárias do PS avisou: “Antevejo que só se faça com acordo dos partidos”.
Nas outras áreas, a sintonia foi também evidente. “Basta dois políticos não se insultarem mutuamente para serem parceiros de coligação“, começou por dizer António Costa quebrando o gelo e indo direto ao assunto que suscitava maior interesse no debate “A política, os políticos e a gestão dos dinheiros públicos”, organizada pela TSF e pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que teve lugar esta manhã na Universidade Católica de Lisboa – a conhecida simpatia entre os dois e a possibilidade de haver um acordo de futuro entre PS e PSD caso Costa e Rio estejam na liderança dos dois partidos.
A resposta parece clara, já que tanto um como o outro mantém a porta aberta a diálogo futuro com todos os partidos e ambos manifestaram a necessidade de haver um “entendimento de regime” e um “acordo a dez anos”, que só seria possível se houvesse “um relacionamento próximo e saudável pelo menos entre os dois maiores partidos, em quem os eleitores mais votaram”, disse Costa.
Mas para isso acontecer, e se Costa chegar à liderança do PS, não pode ser Pedro Passos Coelho a estar do outro lado. “Tenho muita estima ao dr. Rui Rio e desejo-lhe muitas felicidades desde logo na liderança do PSD”, disse prontamente António Costa, quando afirmava que só poderá voltar a haver diálogo entre os dois maiores partidos “quando o PSD mudar de política” – ou de rosto. À semelhança do que tinha dito em entrevista ao Público esta semana, Costa voltou a ser perentório na afirmação de que não é possível haver entendimento com a atual política do Governo, mas deixou caminho disponível para diálogar nas várias frentes.
Ao contrário de Costa, que está a disputar a liderança do partido socialista com António José Seguro, Rui Rio não é candidato à liderança do PSD, mas o cenário continua em cima da mesa para 2015, como disse há semanas em entrevista à Rádio Renascença – avança se o país “quiser muito”.
E ainda que de forma menos direta, os elogios e felicitações para as próximas aventuras políticas também se fizeram sentir do lado de Rio para Costa. Questionado sobre as primárias do PS, que estão a decorrer para eleger o candidato do partido socialista a primeiro-ministro, o ex-autarca do Porto mostrou-se “não particularmente adepto” do processo, que diz ser “demasiado confuso”, mas que, “o importante é que se mude, que se rasgue o horizonte e parta para outra”. “Se isso implicar passar por uma fase de que não gosto muito, óptimo”, disse.
Para Rio, o “fundamental”, além da regionalização para reformar “verdadeiramente o Estado”, é haver “um “entendimento de regime”: “Ou temos a força e a coragem de fazer uma ruptura ou não temos e continuamos no beco e não saímos dali”, disse, sublinhando que é preciso “coragem para caminhar nalgum sentido se quisermos ser felizes”. Para isso, diz, o entendimento é indispensável, senão entre o leque partidário todo, “que é difícil”, pelo menos a “franja maior é bom que o faça”.
Seguindo a mesma lógica, António Costa reforçou ainda que para “atacar” os problemas do país é preciso “estabilidade e competitividade e isso implica um outro grau na política, partilha de políticas comuns e de investimentos que não podem ser interrompidos”, em resumo uma “agenda para a década que permita consolidar objetivos políticos”. Ou seja, diálogo, consenso, entendimento entre os partidos. “Em função dos interesses do Estado”, sublinhou Rio várias vezes.
Mesmo que afastado da cena política desde que deixou a presidência da Câmara do Porto em setembro do ano passado, Rui Rio é hoje uma dos nomes mais falados para os maiores cargos de liderança política: chefe de Estado ou próximo líder do PSD, que poderá vir a ser próximo chefe de Governo. “Sente-se mais próximo de primeiro-ministro ou de presidente da República?”, rematou o jornalista e diretor da TSF Paulo Baldaia, assumidamente à procura do “sound bite”. Mas Rio passou a bola e escapou-se à derradeira questão. “Não vou alimentar isso”, disse, “deixo para o dr. António Costa que está no ativo e mais treinado a gerir os sound bites”.