Nos Estados Unidos, há um novo medicamente para tratar a hepatite C, doença que mata, por ano, cerca de 15 mil norte-americanos. Chama-se Sovaldi e é considerado revolucionário pela comunidade científica porque diminui os efeitos secundários e aumenta as hipóteses de cura. No entanto, o elevado preço deste medicamento está a levar os estados a ponderar limitar o acesso ao tratamento. Segundo o Washington Post está instalado um debate urgente e sensível: até onde deve ir a sociedade para garantir que os pobres têm acesso aos melhores cuidados disponíveis?

Uma cápsula de Sovaldi custa 1.000 dólares (cerca de 742 euros) e o preço do tratamento completo chega aos 84 mil dólares (um pouco mais de 62 mil euros). Os estados não conseguem financiar o tratamento de todos os doentes e temem que o novo medicamento desequilibre os orçamentos. Os gabinetes do programa Medicaid estão a aconselhar a administração de Sovaldi aos doentes mais urgentes.

O Washington Post revela que no estado do Oregon, por exemplo, seriam necessários 360 milhões de dólares para garantir o tratamento com Sovaldi aos beneficiários do Medicaid que sofrem de hepatite C. Este valor é apenas ligeiramente inferior aos 377 milhões que o Oregon gastou em 2013 para ajudar 600 mil pessoas desfavorecidas a terem acesso aos cuidados de saúde.

E é por causa destes valores que vários estados querem limitar o número de doentes que têm acesso ao medicamento que é considerado a grande esperança na luta contra uma doença que afeta mais de três milhões de americanos.

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Antes do aparecimento do novo medicamento, desenvolvido pela farmacêutica Gilead Sciences, o tratamento da hepatite C sujeitava os doentes a um plano combinado de vários comprimidos diários e a 48 semanas de injeções de interferona. Os possíveis efeitos secundários afastaram muitos doentes de receberem este tratamento. A taxa de cura era de apenas 50%.

O Washington Post explica que alguns doentes tratados com Sovaldi continuam a precisar de injeções, mas por um período de tempo menor — 12 semanas. Para além disso, os efeitos secundários são menos devastadores.

Segundo o jornal norte-americano, uma grande percentagem daqueles que sofrem de hepatite C tem poucos rendimentos e é abrangida pelo apoio governamental. O novo medicamento surge no mercado num momento de expansão do Medicaid, quando se tenta que dezenas de milhões de americanos tenham acesso a cuidados de saúde que anteriormente não conseguiam suportar financeiramente.

De acordo com o presidente da Gilead, John Milligan, o preço do tratamento acabará por poupar dinheiro aos estados. “Acreditamos que com o tempo, quando estes doentes forem novamente saudáveis, o sistema de saúde vai poupar muito dinheiro”, disse. Segundo o Washington Post, há quem defenda que o tratamento com Sovaldi pode evitar hospitalizações e transplantes de fígado que custam, em média, 577 mil dólares (429 mil euros).

O lançamento deste novo medicamento é já considerado o mais bem-sucedido da história da indústria farmacêutica. Nos primeiros três meses deste ano, as vendas de Sovaldi chegaram aos 2,3 mil milhões de dólares.

O Washington Post refere ainda que as decisões estaduais de limitar o acesso a tratamento médio podem desencadear questões legais. Em junho, três doentes com fibrose cística apresentaram uma queixa contra o estado do Arkansas, acusado de não ter financiado um medicamento que custa 300 mil dólares (223 mil euros). Um responsável do programa Medicaid, citado pelo jornal, admitiu temer processos semelhantes nos doentes com hepatite C.

“Quando temos a missão de defender a saúde pública, todas as tentativas de traçar uma linha divisória relativamente a uma doença infeciosa e dizer — ‘Esta pessoa vai ser curada, mas esta não…’ — vão ser revertidas em tribunal”, disse.

Em junho deste ano, os jornais portugueses noticiaram que o Infarmed estava a negociar um preço adequado para um novo medicamento para a hepatite C, depois de a primeira proposta ser de 48 mil euros por tratamento.

Nessa altura, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde dava conta de uma notícia publicada no Le Monde, onde se escrevia que no Egito o tratamento com o mesmo medicamento custaria 700 euros.

Há poucos dias, ministros da Saúde de 15 países europeus responderam ao apelo da França e uniram-se contra o elevado custo do medicamento produzido pelo laboratório Gilead, a mesma farmacêutica em causa no artigo do Washington Post.