António Costa quer ser diferente. Apesar de os dois Antónios terem muito em comum no pensamento, Costa quer diferenciar-se, encostar-se à esquerda e empurrar António José Seguro para a direita. O objetivo é colar a visão da atual direção do PS ao atual Governo e à direita. E foi isso que começou por fazer no discurso de encerramento da convenção “Mobilizar Portugal”, que reuniu apoiantes do autarca para delinear a agenda a dez anos, que servirá de primeiro programa de Costa às primárias socialistas. No discurso, Costa sintetizou:

“Deu a impressão que a diferença entre o PS e o Governo era na dose [de austeridade], ou no ritmo”.

Desde os primeiros discursos que Costa diz encostar-se à esquerda e abrindo portas a um Governo com forças de esquerda – apesar de na semana que passou ter mostrado bastante cumplicidade com Rui Rio, apontado como um futuro líder para o PSD na era pós-Passos Coelho. E foi para vincar essa posição que disse que “agora a alternativa do PS não é nem pela dose nem pelo ritmo, mas porque queremos um caminho diferente”. Aplausos fortes numa sala com apoiantes do autarca.

Seguro deu abriu uma brecha para o ataque de António Costa quando há semanas numa entrevista disse que se tinha “anulado” nos últimos três anos para manter um clima favorável. E Costa aproveitou essa admissão – não se referindo diretamente a ela – para dizer que é preciso “pensar diferente do Governo para podermos governar diferente do Governo. Quem pensa como a direita acaba a governar como a direita”. E esta foi a solução que levou a que o PS “por tantas vezes não se tenha distinguido”. Objetivo: encostar Seguro ao Governo.

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O autarca de Lisboa disse claramente que “o PS pretende governar com uma maioria absoluta por ser do interesse nacional”. “O que é pedido ao Governo é que seja alternativa ao Governo. Não podemos ser governo com quem faz parte do atual Governo”, disse.

Costa também se quer diferenciar pelo estilo. Discurso por pontos, repetindo as palavras de introdução para criar atenção: “Se o Governo tivesse uma visão estratégica” era a frase introdutória para lançar vários temas, desde as privatizações à ciência, mostrando exemplos negativos, na opinião do autarca, do que fez o Executivo, desde a Cimpor, à TAP ou ao investimento na investigação científica.

Finanças e dívida continuam a ficar para depois

António Costa começou o discurso a explicar-se. Tem sido atacado por não ter ainda revelado a sua posição sobre finanças e contas públicas, por não ter inserido esses temas, nem temas europeus, na agenda a dez anos e sentiu a necessidade de insistir que o importante agora é “olhar para década”.

Costa começou por garantir que não “renuncia aos problemas de hoje”, mas que estes “só se resolvem se formos à raiz, aos problemas estruturais”. No primeiro discurso, na semana passada quando anunciou o programa da convenção, disse aos jornalistas que as questões da dívida e das contas públicas eram “instrumentais”. Desta vez, talvez porque na semana passada lhe causou dissabores, evitou o soundbite. Disse apenas que “ninguém se ilude que só temos finanças sãs com uma economia sã”. E por isso prefere falar de economia para se distanciar do Governo.

“Falha quem pensa que é assim que se ataca o probelma. O nosso problema é mais pofundo. Para o resolver temos de ir à raiz, não é com soluções mágicas”, rematou.

No entanto, desta vez, o autarca assumiu a necessidade de negociação do Tratado Orçamental, bem como da dívida pública. Disse indiretamente que era necessário um “novo equilíbrio desses compromissos” prometendo bater-se por uma “nova leitura do Tratado Orçamental” que permita “ajustar as metas ao ciclo económico”, à semelhança do que tinha feito na semana passada quando questionado sobre o tema, mas sem concretizar o que quer dizer.