A comissão de inquérito parlamentar à crise no Grupo Espírito Santo (GES) poderá arrancar no final de setembro depois de terminados os trabalhos da comissão que investiga a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. A dúvida é se o PSD viabilizará essa comissão de inquérito ou se os partidos da oposição conseguirá impor a sua constituição por via potestativa, ou seja, apresentando a assinatura de 20% dos deputados em funções.
Havendo um acordo informal entre a presidente do Parlamento, Assunção Esteves, e os líderes parlamentares de que só possam funcionar em simultâneo duas comissões parlamentares de inquérito, o caminho está livre para que, na teoria, o inquérito ao caso do Banco Espírito Santo (pedido em primeiro lugar pelo PCP) arranque depois de dia 20 de setembro. É nessa altura que terminam os trabalhos da comissão de inquérito a sete contratos de reequipamento militar, cujo prazo inicial já devia ter terminado e que foi entretanto prorrogado. A outra comissão parlamentar de inquérito a decorrer é a do acidente em Camarate que vitimou Sá Carneiro e Amaro da Costa.
O pedido para uma investigação ao BES será formalmente apresentado pelo PCP. PS e BE manifestaram abertamente o seu apoio a essa ideia. O CDS também já o disse pela voz de Diogo Feio, mas, do lado do PSD, tem reinado o silêncio sobre esta matéria. Fonte da comissão permanente do partido afirmou ao Observador que a direção ainda não tomou uma decisão sobre este assunto.
O Banco de Portugal anunciou no domingo, dia 3, a injeção de 4,9 mil milhões de euros no BES para o capitalizar, através do Fundo de Resolução bancário (alimentado pelos vários bancos), e o fim desta instituição, com a sua separação em dois: um bad bank (banco mau), em que ficam os activos tóxicos, e o Novo Banco, que reúne os ativos não tóxicos, como os depósitos e que receberá o dinheiro do Fundo de Resolução.
Segundo o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, a proposta de comissão de inquérito visa, por um lado, “evitar que sejam mobilizados fundos públicos para suportar os prejuízos do banco”, mas também investigar a gestão por parte da família Espírito Santo. Estas foram as primeiras explicações dos comunistas. O pedido de constituição da comissão, em que se define o objetivo concreto da investigação dos deputados, ainda não foi entregue. Esta sexta-feira, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, já teve um discurso ligeiramente diferente, considerando que quer ver “apuradas todas as responsabilidades”, em particular, “o falhanço da regulação do sistema financeiro”, considerando “o regulador independente apenas na aparência”.
O PS, pela voz de Óscar Gaspar, confirmou esta semana que o PS não vê necessidade de apresentar outra proposta e que votará favoravelmente pedido do PCP. “O PCP é que teve a primeira iniciativa e, por isso, nós entendemos que não precisamos de apresentar nova proposta e vamos apoiar esse pedido”, disse na TVI24.
No início do mês, depois da intervenção do Banco de Portugal (BdP) no GES, o dirigente socialista Eurico Brilhante Dias salientou que há várias dúvidas: “Como foi possível chegar aqui? Quem são os responsáveis? Quais as irregularidades e os crimes cometidos ? Num Estado de Direito ninguém está acima da lei e devem ser apuradas responsabilidades doa a quem doer. Os portugueses merecem uma explicação”.
João Semedo, do BE, confirmou ao Observador que o partido também apoia a iniciativa, embora ninguém tenha seguido a sua sugestão de uma sindicância ao Governo sobre fugas de informação. “Não creio que tenha que ser sequer uma comissão de inquérito potestativa”, acrescentou, remetendo para declarações de partidos da maioria.
O CDS, pela voz de Diogo Feio, disse logo a seguir à intervenção do BdP que o partido não iria obstaculizar “qualquer mecanismo para o esclarecimento do que se passou no GES”. Depois disso, o vice-presidente do CDS, Nuno Melo, criticou mesmo o Banco de Portugal por falhas de supervisão e confessou, num debate televisivo, que gostava de pertencer à futura comissão de inquérito. Melo é eurodeputado e, enquanto deputado, integrou a comissão parlamentar de inquérito à nacionalização do BPN pelo Governo de José Sócrates.
“Não temos qualquer oposição a todos os meios admissíveis no plano parlamentar”, repetiu Diogo Feio ao Observador, lembrando que “o CDS tem todo um historial de participações em comissões de inquérito sobre estas matérias”. “Mantemos uma postura de exigência nestas matérias e em relação à supervisão”, disse.
Mais cautelosos, os sociais-democratas não se alongaram em declarações sobre o pedido do PCP. Nesta quinta-feira, o ministro da Presidência, Marques Guedes, declarou apenas esperar “que todas as responsabilidades sejam apuradas”. Mas também no PSD há dúvidas sobre a qualidade da supervisão, nomeadamente, por parte do vice-presidente, José Matos Correia, que é também deputado.
Há várias pessoas na maioria que consideram extemporânea uma comissão de inquérito numa altura em que o Ministério Público está a analisar documentação relacionada com o BES e em que estão a decorrer ainda auditorias ao GES.
Se o PSD não apoiar a constituição da comissão de inquérito, a oposição podia forçar na mesma a existência dessa comissão. Basta que um quinto dos deputados (46) assine os pedidos. As comissões assim constituídas dão, contudo, mais poderes aos partidos proponentes, nomeadamente, nas audições. Os proponentes podem chamar quem quiserem e essa lista de personalidades não tem que ser votada, como acontece numa comissão parlamentar de inquérito normal.
Para além de outras personalidades, será certo que tanto o presidente do BdP, Carlos Costa, como o presidente da CMVM, Carlos Tavares, e a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, seriam novamente ouvidos no Parlamento sobre o BES, mas agora no âmbito de uma comissão de inquérito. Mas também gestores do BES.
No entanto, há outro pormenor a ter em conta. Por legislatura, cada deputado só pode assinar um pedido de comissão de inquérito. Ora, 46 deputados dos partidos da oposição já puseram a sua assinatura para a constituição da comissão aos Estaleiros Navais. Os deputados do PS, PCP, BE e Os Verdes são 98. Isto significam que há 52 que ainda poderão forçar uma comissão de inquérito ao BES – número que não deixa uma margem confortável. Pode haver divisões no PS. O que diz Óscar Gaspar, da direção, não vincula a bancada parlamentar como já se viu nos últimos tempos em que uma grande parte dos deputados estão do lado de António Costa e não propriamente alinhados com tudo o que Seguro diz.