As audições dos candidatos a novos comissários começam esta segunda-feira no Parlamento Europeu, mas nem tudo deve correr à nova equipa de Jean-Claude Juncker. Apesar de ser uma equipa com experiência governativa e conhecedora dos meandros de Bruxelas, cada candidato leva para o interrogatório com os eurodeputados um passado que lhe pode ser fatal na altura de assumir responsabilidades a nível comunitário. Há ainda a questão da adequação do perfil de cada candidato à pasta atribuída e outros conflitos, como um determinado grupo político não concordar com a escolha ou os eurodeputados de um certo país estarem contra o seu nomeado.

As audições, onde os candidatos de cada país aparecem perante as comissões do Parlamento Europeu (PE) a que vão ter de prestar contas nos próximos cinco anos, vão consistir num interrogatório de cerca de três horas em que o passado dos candidatos e os seus objetivos para o cargo que vão desempenhar vão ser publicamente escrutinados. As audições são transmitidas em direto, começando esta terça-feira e terminando no dia 7 de outubro. À prova vão estar os 27 comissários que constituem a nova equipa de Juncker.

O Observador escolheu cinco audições que vão ser importantes na definição deste novo período, não só pela relevância da pasta, mas também pela possibilidade de alguns destes nomeados serem chumbados pelos eurodeputados:

  • Carlos Moedas, dia 30 de setembro, 9h de Bruxelas

Desde logo é o candidato português, o que em termos nacionais é importante, dado que há mais de dez anos que o país não tem um comissário devido à presidência da Comissão por parte do português Durão Barroso. O ex-secretário de Estado de Pedro Passos Coelho, que pode vir a ser comissário da Investigação, Ciência e Inovação, vai apresentar-se perante a comissão de Indústria, Investigação e Energia e não vai encontrar nenhuma cara amiga. Nesta comissão do PE, estão apenas eurodeputados portugueses de esquerda como Carlos Zorrinho do PS, João Ferreira do PCP e Marisa Matias do BE (apesar de ser suplente, o Observador sabe que a eurodeputada vai participar na audição e questionar Moedas). O português estará em cheque no que diz respeito à sua atuação durante a vigência da troika, já que apesar da audição dizer respeito ao seu novo cargo, grupos políticos como a Esquerda Unida e os Verdes não vão esquecer o seu papel na implementação de medidas de austeridade em Portugal e do seu trabalho de acompanhamento da troika. Claro que conta com o apoio do Partido Popular Europeu (PPE) e possivelmente dos Liberais. No questionário que teve de entregar por escrito antes destas audições, Moedas disse que a sua “experiência governativa” lhe tinha ensinado a importância de “quebrar reservas artificiais” em relação a alguns temas e a “importância de ultrapassar grandes desafios” trabalhando em equipa. Pode acompanhar a audição de Moedas em direto esta terça-feira no Observador.

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  • Günther Oettinger, alemão, dia 29 de setembro, 18h30 de Bruxelas

Era até agora o comissário da Energia, mas nesta nova equipa, Oettinger tem um novo papel como líder da Economia Digital na equipa de Juncker. A pasta do alemão foi das mais especuladas e acabou por ser uma surpresa para os analistas dos temas europeus. O mercado digital foi uma das bandeiras de Juncker na campanha para líder da Comissão e cabe agora a Oettinger desenvolver o ambicioso plano de criar emprego e crescimento a partir das empresas que se movem na internet. Mas essa é apenas uma das suas incumbências, nos próximos cinco anos vai ter de definir regras sobre a pirataria, regular gigantes como a Google que operam a partir de Silicon Valley e criar na Europa um ambiente propício para o desenvolvimento do mercado digital. Os Verdes alemães já vieram criticar a escolha deste homem de confiança de Merkel para o cargo, acusando-o de não ter qualquer presença digital, nomeadamente nas redes sociais. Oettinger não parece deixar-se intimidar e diz que “o mercado digital é o novo petróleo”.

  • Miguel Arias Cañete, espanhol, dia 1 de outubro, 18h de Bruxelas

É um dos nomeados mais polémicos. Foi apontado como Juncker como o novo comissário da Energia e do Clima e as críticas de Espanha não se fizeram esperar. O antigo ministro da Agricultura tem interesses nestas áreas já que não só detém uma participação num dos maiores concessionários de automóveis do país vizinho, como está também ligado a empresas de petróleo. Apesar de já ter vindo dizer que não vai atuar em áreas onde detenha “interesses pessoais” e ter vendido mais de 300 mil euros em ações da Petrolífera Ducar e Petrologis Canarias na semana passado, os eurodeputados do PSOE e dos restantes partidos da esquerda espanhola no PE já disseram que vão votar contra a sua confirmação. Caso os seus grupos políticos acompanhem esta decisão, pode haver um problema com a confirmação final da equipa, o que obrigará Juncker a substituir ou mudar a pasta do espanhol até ao final de outubro. Há ainda o problema de Canete ter dito num debate que era difícil confrontar ideias com uma mulher já que tinha de se manter como um cavalheiro, o que levou a que o apelidassem de sexista – para contrariar estas acusações, o site Bolsamanía divulgou que o seu gabinete como comissário será na maioria composto por mulheres.

  • Jonathan Hill, britânico, 1 de outubro, 13h30 de Bruxelas

O escolhido por David Cameron para a equipa de Juncker tem levantado controvérsia desde a sua nomeação. Desde logo, apesar de ter pertencido ao gabinete do antigo primeiro-ministro John Major e ser líder da Câmara dos Comuns, Hill exerceu grande parte da sua atividade profissional como lóbista, tanto em Londres como em Bruxelas, o que gerou desconfiança sobre os interesses que vai defender como comissário. Depois com o anúncio do seu portefólio, ficará encarregue dos Serviços Financeiros, as críticas subiram de tom. Hill terá feito lóbi para o setor financeiro e a esquerda europeia não está confiante que defenderá o interesse europeu no que diz respeito á regulação dos mercados. Outro ponto sensível é que Hill vai participar na implementação da União Bancária, um ponto difícil para o Reino Unido, já que a maior estabilidade dos bancos continentais vai rivalizar com a City de Londres. Além disto, Hill é um conservador e, por isso, não tem apoio dos dois maiores grupos do Parlamento Europeu: o PPE e os socialistas. O site European Voice adianta que o britânico se tem desdobrado em reuniões com eurodeputados de diferentes grupos políticos para recolher apoios à sua aprovação.

  • Alenka Bratušek, eslovena, 6 de outubro, 14h30 de Bruxelas

A Eslóvenia elaborou uma shorlist e disse a Juncker para escolher quem quisesse. Alenka Bratušek, na altura primeira-ministra no meio de eleições (e talvez adivinhando a derrota do seu partido) também se incluiu nesta lista e foi escolhida por Juncker. Foi-lhe atribuída uma vice-presidência e a incumbência de levar a cabo a união europeia da energia, o que a torna numa das figuras centrais da próxima Comissão. Por isto mesmo, tanto no seu país como no PE, há quem questione se o seu perfil tem peso suficiente para dirigir as conversações não com os 28 Estados-membros para harmonizar os mercados de energia, mas também com a Rússia, que fornece grande parte do gás consumido na Europa. Bratušek não conta com o apoio do governo do seu país – o novo governo tomou posse entretanto – e a sua passagem para a Comissão está a ser investigada por um conselho de ética na Eslovénia. Ao seu lado, tem apenas os liberais europeus que vão defender a sua aprovação.

Outras duas audições a ter em conta e com especial relevância para Portugal são a de Pierre Moscovici, o francês que ficará à frente dos Assuntos Económicos e Financeiros da União e ainda a de Dimitris Avramopoulos, o grego que vai ocupar o lugar recém-criado de comissário das Migrações.

Se quiser conhecer melhor todos os novos comissários, a sua missão e os seus argumentos, pode aceder às respostas dos questionários escritos aqui.