Livros de ponto em branco, manuais por estrear, salas de aula vazias. Por oposição, recreios cheios, mesmo depois dos toques de entrada. Ao fim do primeiro mês do novo ano letivo – marcado por erros, atrasos e um pedido de desculpa -, muitos alunos continuam sem aulas e professores continuam a aguardar um lugar nas escolas.

“Está a ser um bocadinho complicado este arranque de ano letivo porque se está a prolongar muito esta situação [de falta de professores]. Estamos na quinta semana de aulas e ainda há muitos alunos sem professores”, testemunhou ao Observador Filinto Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas e diretor de uma escola com contrato de autonomia.

As cerca de 300 escolas com contrato de autonomia ou inseridas em territórios de intervenção prioritária (um terço do total de estabelecimentos escolares públicos) tiveram de recorrer este ano à Bolsa de Contratação de Escola (BCE) para colocar os professores. Acontece que esta bolsa continha erros, que obrigaram a refazer as listas e a retirar das escolas professores que já tinham sido colocados. Este contratempo, a somar ao atraso inicial do processo, muito por causa da prova de docentes que avançou este ano já tardiamente, acabaram por ditar problemas na colocação dos professores, que se prolongaram até ao presente, nestas escolas, ainda com “centenas de horários por preencher”, acredita Filinto Lima. O Observador já questionou o Ministério da Educação e Ciência sobre quantos horários sobram ainda nas escolas, mas não obteve ainda resposta.

Mas mesmo no restante universo das escolas públicas “tem sido muito difícil este primeiro mês”, assegurou ao Observador Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, embora admita que os problemas têm “uma escala menor”.

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Para César Israel, presidente da Associação Nacional de Professores Contratados, este primeiro mês resume-se da seguinte forma: “Para além de alunos sem aulas, tivemos alunos com 180 minutos de recreio e depois uma aula de 90 minutos. Ou seja, tivemos também alunos pouco concentrados nas aulas. E tivemos professores desempregados, o que não deixa de ser um absurdo com escolas com professores em falta”.

A partir de segunda-feira, os diretores das escolas com autonomia vão assumir o controlo da situação e chamar diretamente professores (via telefónica, segundo Filinto Lima) para preencherem os horários que continuarem vazios. E desde esta quarta-feira que também os diretores das outras escolas passaram a poder contratar os docentes via “oferta de escola”. Ainda assim, os diretores acreditam que só no final do mês de outubro será possível ter o problema da falta de docentes controlado.

Diretores, pais e professores admitem que será difícil compensar os alunos

Com a saga do atraso nas colocações a chegar ao fim, a pergunta que agora se coloca nas escolas e fora delas é: como compensar os alunos que estiveram um mês sem aulas? O ministro da Educação, Nuno Crato, garantiu esta terça-feira, no Parlamento, que o Ministério da Educação dará todo o apoio que as escolas precisarem para compensar os alunos e que “a igualdade de circunstâncias dos alunos perante os exames vai ser a mais perfeita possível”. Mas entre a comunidade educativa a previsão é outra.

“Igualdade de circunstâncias teoricamente é possível, mas na prática não será. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Vamos fazer tudo para que o ditado não se cumpra na Educação, mas sabemos que é difícil recuperar”, afirmou o diretor Manuel Pereira.

Também o professor César Israel acha que será “muito difícil” recuperar o tempo perdido neste primeiro mês. “Não será possível os alunos chegarem em pé de igualdade ao final do ano. Os currículos são muito longos. As metas são altamente exigentes”, defende.

Se a preocupação reina nas escolas, a “angústia” atormenta as famílias. Isso mesmo testemunha Isabel Gregório, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação. Ao Observador, a representante dos pais disse acreditar que “não será possível dar algumas matérias e que o prejuízo será irreparável”.

Primeiro período com menos um teste e mais aulas extra

Mesmo antecipando um cenário de desigualdade entre os alunos até ao final do ano letivo, começando já este período com menos aulas e só um teste para aqueles alunos que estiveram este mês sem aulas, diretores focam o máximo das atenções nas soluções. O caminho deverá ser o das “horas extra”. Resta saber como o fazer e para isso os dirigentes escolares foram convidados pelo Ministério da Educação a fazer um levantamento da situação de cada escola e escolherem a melhor solução, sendo que “o Ministério se disponibilizou para acudir as escolas nestas soluções”, contou Filinto Lima, depois de ter reunido, esta quarta-feira com os serviços centrais da Educação.

Segundo este dirigente, bem como Manuel Pereira, a opção deverá ser a das horas de aula extra “diluídas ao longo do ano”. E para isso será preciso dinheiro. Para quê? Para pagar horas extra aos professores, ou para completar horários de outros professores da escola que irão dar estas aulas de apoio ou até mesmo para contratar docentes para este fim.

Acontece que não há uma solução à partida perfeita. Isso mesmo lembrou César Israel que deixa a pergunta: “Horas extra? Onde? Se pegar na mancha horária dos alunos não há praticamente buracos livres… Acho que essa opção é inviável porque não há tempo útil”. Para este professor, a opção poderá passar por colocar dois professores nas salas de forma a haver um maior acompanhamento dos alunos.

Os pais também não estão certos de qual será o melhor caminho a seguir, mas pedem para ser envolvidos neste exercício. “Eventualmente será preciso ajustar o calendário escolar. O primeiro período não terminar a uma terça-feira. As férias da Páscoa durarem uma semana em vez de duas. O ano letivo escorregar uma semana para a frente no final do terceiro período”, atirou Isabel Gregório. Também a opção de adiar os exames no final do ano já chegou a ser admitida por pais e encarregados de educação.

Mas nenhuma destas situações também parece ser a indicada. César Israel aponta para os problemas de logística que traria alterar o calendário, nomeadamente nas zonas do interior em que “as crianças estão dependentes do transporte escolar para irem para a escola”, e esse transporte está contratualizado com a autarquia, bem como em todo o País ao nível por exemplo das cantinas.