A Figaros Barbershop está aberta há seis meses. Situada na Rua do Alecrim, em Lisboa, dá nas vistas pela decoração a fazer lembrar a década de 1950 — com móveis vintage, cadeiras de barbear à antiga e arcadas de traço pombalino –, mas também pelo letreiro colocado na porta: podem entrar homens e cães, mas o acesso está interdito a mulheres. Há quem não tenha gostado da sinalética e do que ela implica. A polémica instalou-se, sobretudo depois de um artigo publicado no Diário de Notícias, esta sexta-feira, que coloca a seguinte questão: discriminação ou marketing?

Fábio Marques, barbeiro há 14 anos, é o fundador do projeto. Ao Observador conta que se trata de uma barbearia de estilo americana, onde se apara a barba à navalha e se fazem cortes de cabelo “clássicos”. Os serviços destinam-se em exclusivo aos homens, à semelhança do que acontece em países como Estados Unidos da América, Holanda e Bélgica.

“As mulheres, quando acompanham os maridos ou os namorados, devem entender que este é um espaço reservado a homens. A sua presença vai deixá-los pouco à vontade”, diz Fábio Marques. “Se eu pago uma renda por ele e os [poucos] lugares que existem são para quem está à espera, porque tenho de permitir a entrada de pessoas que não vão usufruir dos serviços? Não vamos tratar por igual aquilo que é diferente e, felizmente, os homens são diferentes”. 

Dito isto, lançamos a questão: até que ponto pode um espaço comercial barrar a entrada consoante o género? Diogo Santos Nunes, da Deco (Associação de Defesa do Consumidor), explica que — ao contrário de estabelecimentos como hotéis, restaurantes e bares — não existe matéria na legislação que regule o acesso a espaços como a barbearia. Diz que “só se pode vedar o acesso a pessoas quando há um motivo justo, o que não é o caso”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No centro do debate está uma eventual discriminação dos sexos. Diogo Santos Nunes refere que, naquele caso, as mulheres têm o direito de acompanhar os homens, até porque “o facto de não haver legislação não quer dizer que não seja ilegal, na medida em que contraria os princípios básicos do direito que ainda são fontes de direito”.

Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), diz que existe uma diretiva europeia que assegura a não-restrição de bens e serviços em função do género e que a legislação portuguesa está de acordo com ela. “A existência de estabelecimentos que vedam o acesso a um dos géneros, ou que tenham preços mais caros em função do sexo — como a questão clássica dos cortes de cabelo –, parece-nos ilegal do ponto de vista da legislação europeia”.

Apesar da polémica, o CITE não tem conhecimento oficial de outros espaços que operem de forma semelhante em Portugal — embora Sandra Ribeiro esteja convicta da sua existência. A presidente diz ainda que os portugueses são, por enquanto, pouco sensíveis à situação, razão pela qual o comité não recebeu quaisquer queixas relacionadas a matéria. O Observador tentou ainda contactar a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais, mas não recebeu uma resposta atempada.

 

Eles também não entram…

Para Fábio Marques, da Figaros, esta é uma “não-questão” e afiança que o conceito da barbearia não pretende ser depreciativo nem comparar as mulheres com os animais. “É humorístico. Achamos que a emancipação das mulheres é um dado adquirido em pleno século XXI e que há questões mais sérias, como a igualdade salarial”. Acrescenta ainda que nunca enxotou uma mulher mas que já houve pessoas a saírem contrariadas da barbearia, a qual compara aos ginásios femininos Vivafit: “Ninguém vai para o Vivafit invadir as salas de desporto das senhoras”. 

O Vivafit, cadeia de ginásios franchisados com mais unidades em Portugal, oferece um conceito focado nas necessidades das mulheres, esclarece o CEO e fundador Pedro Ruiz. Ao Observador, salienta que os homens podem entrar nas instalações — “não somos fundamentalistas” –, mas que não podem fazer-se sócios ou treinar. “Os ginásios não estão preparados para eles e as modalidades presentes são as preferidas das mulheres. Nem há instalações sanitárias para o sexo masculino [salvo para o staff]”. Ainda assim, há homens que dão aulas em alguns dos ginásios.

O certo é que o nicho de mercado é salvaguardado pela lei. O mesmo jurista esclarece que estes ginásios podem invocar o direito da privacidade, justificando, assim, a limitação de acesso aos homens. Tal não impediu que algumas queixas chegassem à Deco. O mesmo não acontece do outro lado da barricada: desde que o primeiro Vivafit abriu, em 2003, Pedro Ruiz diz nunca ter recebido uma queixa. “É a mesma coisa que ir a um cabeleireiro para mulheres. Não se trata de discriminação. Se um homem entrar, como os maridos fazem, não há problema nenhum. Muitas vezes são eles que não se sentem à vontade e que se vão embora. Percebem que estão a mais”.