Foi uma autêntica comissão relâmpago. A comissão eventual para a revisão constitucional teve apenas três sessões antes de se darem por concluídos os trabalhos: a tomada de posse, a sessão destinada a definir o regulamento e a sessão desta terça-feira, onde foram “apresentados, discutidos e aprovados” dois projetos de revisão constitucional do PSD-Madeira e do CDS-Madeira. “Fomos iludidos”, desabafou Guilherme Silva.

Ambos os projetos, apresentados pelo deputado e vice-presidente da Assembleia da República Guilherme Silva e pelo deputado centrista Rui Barreto, respetivamente, foram chumbados em toda pelos deputados de todos os grupos parlamentares representados na comissão, contando apenas com a abstenção solidária de Guilherme Silva no projeto do CDS e de Rui Barreto no projeto do PSD. Seria preciso que dois terços dos votos fossem favoráveis para os projetos serem aprovados na comissão.

A votação, no entanto, foi precedida de um imbróglio que mereceu forte discussão entre os deputados devido ao facto de o deputado social-democrata eleito pelo círculo da Madeira querer a todo o custo que a votação fosse feita na especialidade, artigo a artigo, e não na generalidade, como tinha ficado definido no regulamento da comissão.

Guilherme Silva, de resto, foi o principal protagonista deste debate fugaz da revisão constitucional. Antes de apresentar o projeto do PSD Madeira, que visa maior autonomia para a região, começou por acusar os vários deputados que integram a comissão de estarem a levar a cabo um “golpe” para “matar à nascença” a discussão dos dois projetos, que foram os únicos a dar entrada na Assembleia.

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“A maneira como o tema aparece na ordem de trabalhos da comissão [‘apresentação, discussão e votação’] parece um golpe no sentido de matar à nascença a discussão destes projetos“, começou por dizer o deputado social-democrata, que mostrou preocupação pela forma como o tema foi abordado pela Assembleia. “Não é pelos projetos em si, não é pelos deputados que os subscrevem, é pelo princípio de dignidade da Assembleia da República. Este caminho não é dignificante das instituições”, atirou, lamentando o alegado propósito da comissão de “esgotar o tema nesta sessão”.

“Não tenho memória de alguma vez termos feito uma revisão constitucional desta forma, de uma só assentada, e isso preocupa-me do ponto de vista democrático”, disse.

Como lembrou o próprio deputado Guilherme Silva, para haver revisão constitucional o projeto tem de ser aprovado por dois terços dos deputados, pelo que já se sabe, à partida, que “não se dá o caso”. Ainda assim, o deputado social-democrata apelou ao “respeito recíproco” e à necessidade de se fazer uma “profunda reflexão” sobre o tema. “Nós respeitamos os deputados que entenderam não tomar nenhuma iniciativa de projeto de revisão constitucional, mas gostaríamos que o assunto fosse tratado com a merecida atenção”, disse.

Ainda antes de apresentar o projeto do PSD, intitulado ‘Autonomia Século XXI (Renovar Abril)’, e de o deputado centrista Rui Barreto apresentar o projeto do CDS (‘Mais Autonomia – Mais Democracia’), Guilherme Silva quis deixar vários recados e “lamentos” aos restantes deputados e grupos parlamentares por não terem apresentado qualquer proposta de revisão constitucional. Para o vice-presidente da Assembleia, a ausência de propostas significa que “há um conservadorismo constitucional” e que “está tudo bem no sistema político, não há nenhuma crise dos partidos nem um afastamento dos portugueses das instituições”.

Assim parece que está tudo bem e que não é preciso mexer uma vírgula na Constituição“, rematou, sublinhando que a comissão criada para debater a revisão constitucional – que tem de ser empossada de forma obrigatória em cada cinco anos – “é uma oportunidade perdida para mudar o país”. “Parecemos apenas uns aventureiros com ideias reacionárias”, continuou, referindo-se aos dois únicos grupos que apresentaram iniciativas, numa tentativa de reforçar a ideia de que se “está a começar a casa pelo telhado” ao não haver propostas e reflexões profundas sobre eventuais alterações à Constituição.

Ainda assim, Guilherme Silva disse ter tido uma “cautela”: adiar a proposta de revisão constitucional para depois do fim do programa de ajustamento da troika, por uma questão de “preocupações patrióticas”. “Fomos iludidos ao pensar que, ultrapassado esse período, haveria da parte dos deputados, dos partidos e dos grupos parlamentares, espaço e vontade para este debate, e para fazermos este trabalho a sério”, disse.

Os projetos hoje chumbados seguem agora para discussão em plenários no Parlamento, uma vez que a votação em comissão foi apenas indiciária, isto é, indicativa do sentido de voto dos vários grupos parlamentares na discussão posterior.