Afirmações “irresponsáveis” e “infelizes”, suscetíveis de “pôr em causa a segurança nacional e de cidadãos portugueses”. É assim que o deputado do PS Marcos Perestrelo classifica as declarações recentes do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a existência de portugueses envolvidos no Estado Islâmico do Iraque e da Síria que querem regressar a Portugal. O pedido de audição de Rui Machete foi aprovado esta tarde no Parlamento, sem surpresas, mas não sem antes os partidos da maioria terem batido o pé quanto aos moldes da audição, isto é, se vai ser aberta à comunicação social ou feita à porta fechada. Oposição queria à porta fechada, PSD e CDS à porta aberta. Foi a maioria que levou a melhor.
“Não se trata de saber se as declarações foram proferidas em qualquer espécie de segredo de Estado – não fui eu, não foi o PS, que disse que se tratava de informação classificada, foi o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo”, começou por dizer o socialista Marcos Perestrelo esta tarde no Parlamento, durante a apresentação do requerimento potestativo apresentado pelo PS para ouvir Rui Machete na Assembleia.
“Trata-se de ouvir os esclarecimentos do ministro sobre as suas afirmações que são suscetíveis de pôr em causa a segurança nacional e de cidadãos nacionais”, defendeu.
Porta aberta vs. porta fechada: informação classificada ou não classificada
Para o PS, não há dúvidas de que a audição deve ser feita à porta fechada “para criar as condições ideais para que tanto o ministro como os deputados possam partilhar toda a informação que têm” sobre a matéria do estado Islâmico, que Marcos Perestrelo recorda ser a “mais grave ameaça à Europa desde a guerra fria”. E sublinhando a “extrema importância da matéria – independentemente de ser ou não classificada”, aponta mesmo para um artigo publicado esta semana no jornal britânico The Guardian, onde estão patentes as claras “ameaças” que o Estado Islâmico faz aos jihadistas britânicos que pretendem regressar a casa.
Mas o molde da audição não foi consensual. Apesar de inicialmente o requerimento do PS ser de caráter potestativo – isto é, obrigatório, não sujeito a votação dos restantes partidos – o deputado social-democrata António Rodrigues fez um requerimento oral para pedir que a reunião fosse aberta ao público. Isto porque, disse, “não consideramos que se trata de matéria classificada, por isso não há necessidade de ser à porta fechada”. O próprio ministro Rui Machete já se tinha mostrado disponível, na sexta-feira durante a sua intervenção nas jornadas parlamentares do PSD/CDS, para prestar esclarecimentos na Assembleia da República – e à porta aberta.
“Não revelei qualquer informação que permitisse identificar a identidade dos portugueses que participam nessas organizações terroristas”, disse na altura o ministro dos Negócios Estrangeiros.
Bloco e PCP juntaram-se ao PS na necessidade de a reunião ser feita de forma privada – “por haver maior disponibilidade e abertura para prestar mais informações” sobre este tema “sensível”. O CDS, no entanto, juntou-se ao PSD para defender que, tal como o ministro “já negou”, não houve divulgação de informação sigilosa. “Se as declarações foram públicas, não faz sentido que os esclarecimentos também não sejam públicos”, afirmou o deputado centrista Filipe Lobo d’Ávila, ex-secretário de Estado da Administração Interna.
A polémica de as declarações do ministro serem ou não sobre informações classificadas surgiu depois de o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, ter reagido às afirmações do colega de Governo dizendo que não iria divulgar “qualquer informação que tenha sobre essa matéria ou outra qualquer informação classificada“. Na ótica dos socialistas, Miguel Macedo quis com isso dizer que a declaração de Machete era sobre matérias classificadas, mas a maioria não lê a frase exatamente da mesma maneira.
Instalado o impasse sobre a forma como a audição do ministro seria feita, o socialista Marcos Perestrelo acabou por pedir ao presidente da comissão, Sérgio Sousa Pinto, que retirasse o caráter potestativo do requerimento, fazendo com que, nessa lógica, o pedido de audição tivesse de ser sujeito a votação. A verdade é que cada grupo parlamentar tem um limite para fazer uso do regime potestativo em cada sessão legislativa, e a ida de Rui Machete ao Parlamento já estava dada como certa – depois de o próprio se ter disponibilizado para o efeito.
A ida do ministro ao Parlamento foi aprovada por unanimidade e o modelo de ‘porta aberta’ foi apenas viabilizado pelos dois partidos da maioria. De qualquer forma, Perestrelo afirmou: “não tenho a expectativa de que o ministro venha, mesmo que à porta fechada, mostrar informação classificada”. Em causa, para os socialistas está “um conjunto de afirmações do ministro que, a par das informações que foram publicadas, põe em causa a segurança dos portugueses”.
Mas Marcos Perestrelo foi mais longe e, já no final da votação, pediu ainda a palavra para dizer que o pedido feito à posteriori pelo PSD para ouvir o ministro, no mesmo dia, sobre outro assunto – a eleição inédita de Portugal para o Conselho dos Direitos Humanos da ONU – se tratou de uma “clara manobra política para construir um muro de opacidade à volta das declarações infelizes do ministro dos Negócios Estrangeiros”.
Aprovado o requerimento, a audição de Rui Machete no Parlamento ficou marcada para o próximo dia 11 de novembro, às 15h.