O Papa Francisco revelou nesta quarta-feira ter despedido um oficial do tribunal da Igreja que foi apanhado a oferecer-se para facilitar a anulação de casamentos em troca de dinheiro. A inesperada revelação foi feita durante uma sessão com estudantes que frequentam um curso no Tribunal da Rota Romana, o equivalente ao Supremo Tribunal do direito canónico, o ordenamento jurídico da Igreja Católica.

Ao falar à audiência sobre o facto de querer que as decisões de anulação sejam mais fáceis, mais rápidas e mais baratas de obter pelas pessoas, o Papa deixou claro que considera o atual sistema padece de graves problemas. “Temos de ter muito cuidado para que esse procedimento não se torne uma espécie de negócio — e não estou a falar de uma coisa sobre a qual nada sabemos”, disse o chefe da Igreja Católica. “Já houve escândalos públicos. Há algum tempo, tive de despedir de um tribunal uma pessoa que andava a dizer ‘por 10.000 dólares, tratarei de ambos os processos, o civil e o eclesiástico'”, declarou.

O Papa não forneceu mais pormenores sobre o episódio, mas um porta-voz do Vaticano disse à agência de notícias francesa, AFP, pensar que Francisco se referia a um episódio ocorrido antes de ocupar o trono de São Pedro, no ano passado. As condições em que um casamento pode ser anulado — ou seja, em que é declarado que nunca existiu — são, desde há séculos, um tema incómodo para a Igreja. A questão desencadeou, por exemplo, no século XVI, um conflito com o rei Henrique VIII que levou à reforma inglesa e à criação da Igreja Anglicana.

Em tempos mais recentes, muitos críticos deram voz à preocupação de que a anulação pareça estar mais disponível para os ricos — uma perspetiva agora reforçada pelos comentários de hoje do Papa. Apelos para que o procedimento seja agilizado foram discutidos no Vaticano, no recente sínodo de bispos sobre a família, e o jesuíta argentino de 78 anos que se tornou no ano passado chefe de Estado do Vaticano indicou apoiar a reforma com base na “justiça e também na caridade”.

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Apontando como exemplo a sua cidade natal, Buenos Aires, Jorge Bergoglio defendeu que não está certo que os paroquianos tenham de faltar ao trabalho e viajar até 240 quilómetros para ir a audiências do tribunal canónico e, depois, tenham de esperar anos até obterem uma resposta a um pedido de anulação. “A madre Igreja tem generosidade suficiente para fazer justiça espontaneamente, tal como foi espontaneamente incumbida por Jesus Cristo”, afirmou, acrescentando “A Igreja deve poder dizer ‘sim, o seu casamento é nulo’ ou ‘não, é válido'”.

Neste momento, a maioria dos pedidos de anulação são tratados por tribunais canónicos de menor importância, com a aprovação de duas audiências necessárias para a concessão de uma anulação. O Tribunal da Rota Romana decide em casos em que os dois tribunais discordem ou não sejam capazes de chegar a uma decisão e é encarregado de garantir que o processo de tomada de decisão sobre o caso é alvo de jurisprudência coerente em todo o mundo.

Francisco fez da guerra à corrupção na Igreja um dos temas dominantes do seu pontificado, atacando tanto a burocracia do Vaticano quanto o seu banco, numa tentativa de pôr termo aos danos causados por uma série de escândalos ocorridos nos últimos anos.