O “processo de investigação de indícios suscetíveis de ter impacto na idoneidade dos respetivos administradores” do Banco Espírito Santo (BES), foi iniciado em setembro de 2013 pelo Banco de Portugal, de acordo com uma das nota técnicas entregues na comissão parlamentar de inquérito pelo governador.

No entanto, o documento invoca a “natureza sistémica” do BES para justificar “precaução e ponderação” com que o Banco de Portugal tratou o tema da revisão da idoneidade dos gestores do BES, em particular daqueles que exerciam, em simultâneo, cargos de administração em empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo (GES) onde já tinham sido detetadas irregularidades financeiras.

O supervisor sublinha as potenciais fragilidades de decisões relativas à retirada de idoneidade a gestores, que poderiam afetar (irreversivelmente) a estabilidade do sistema financeiro, para além de poderem ser impugnadas judicialmente. Na sua audição na comissão de inquérito, Carlos Costa, invocou pareceres jurídicos apresentados por Ricardo Salgado e limita os seus poderes à persuasão.

Os indícios de irregularidades nas contas da Espírito Santo Internacional (ESI), holding não financeiras do GES, foram identificados no quadro de uma auditoria pedida pelo Banco de Portugal que encontrou dívida oculta de 1300 milhões de euros. Esta descoberta foi feita em setembro, e ainda antes dos documentos entregues por Pedro Queiroz Pereira que nada tinham a ver com a ESI. No entanto, justificou Carlos Costa na audição: uma coisa é descobrir irregularidades, outra coisa é apurar responsabilidades e, segundo o governador, só foi possível chegar a estas em maio.

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Investigação à idoneidade de Salgado começou no final de setembro de 2013

No entanto, o governador acrescentou que o Banco de Portugal estava a investigar a idoneidade de Ricardo Salgado desde o final de setembro. Na altura foram avaliadas sete questões. Houve nova investigação a 5 de novembro e também em dezembro. Carlos Costa adianta que o processo de reavaliação da idoneidade só registou passos decisivos a partir da entrevista do então presidente do BES ao Jornal de Negócios em que Ricardo Salgado remete responsabilidades para o contabilista da Espírito Santo Internacional (ESI). O governador referiu ainda uma denúncia anónima recebida em maio, mas sem concretizar.

Na nota técnica, o Banco de Portugal revela que apenas no dia 28 de maio recebeu uma “cópia de um relatório elaborado por uma sociedade de advogados luxemburguesa, que concluiu por uma forte suspeita de falsificação das demonstrações financeiras da ESI e que refere o contabilista da ESI reconheceu, em reunião presencial, que a ocultação de passivo era conscientemente realizada desde 2008 e que tal prática era do conhecimento de Ricardo Salgado, Manuel Espírito Santo Silva, José Manuel Espírito Santo e José Castela”. 

Este relatório, acrescenta a nota, foi considerado um “fato superveniente para efeitos da reavaliação de idoneidade dos visados com funções de administração nas instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

No entretanto, a administração do BES, e em particular Ricardo Salgado, esteve a liderar o processo de aumento de capital de 1045 milhões de euros.

Todos os visados acabaram por renunciar aos seus cargos no BES, em 20 de junho, quatro dias depois de colocado o aumento de capital do banco.

A demora em reavaliar a idoneidade de Ricardo Salgado e da sua equipa tem sido uma das questões mais colocadas pelos deputados ao governador que é confrontado com a demora do banco central em usar essa arma. Carlos Costa realçou as limitações da lei e da jurisprudência ao exercício da reavaliação do estatuto de idoneidade, lembrando que do ponto de vista formal, o supervisor está limitado à existência prévia de sanções.

Questionado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, sobre se não afastou Ricardo Salgado porque não queria ou não podia, Carlos Costa respondeu: “não podia”.