O secretário-geral do PS espera no exercício do seu mandato “uma pressão crítica” do antigo Presidente da República Mário Soares e afirma que a fasquia em que se colocou perante o fundador do partido “é muito exigente”.

Posições que foram transmitidas por António Costa à agência Lusa, numa entrevista sobre o percurso político de Mário Soares, que no domingo completa 90 anos.

“Não é preciso pedir ao Dr. Mário Soares para ser crítico, porque ele será”, declarou António Costa, depois de interrogado se o apoio que lhe foi manifestado pelo antigo Presidente da República na corrida à liderança do PS não acabará por condicionar a prazo a sua ação política, designadamente no que respeita a eventuais entendimentos com o PSD.

“Evidentemente que o apoio de Mário Soares é uma enorme responsabilidade – e manter o seu apoio e confiança é algo muito exigente. Não tenho dúvidas de que a fasquia em que me coloquei é muito exigente, e há uma coisa de que não tenho a menor das dúvidas: O apoio de Mário Soares não o condiciona a ele minimamente na liberdade que tem de ajuizar criticamente o meu desempenho na liderança do PS”, respondeu.

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António Costa considerou mesmo que essa “pressão crítica” do antigo chefe de Estado será positiva para o exercício do seu mandato.

“É não só uma liberdade que não receio, como a aprecio, estimo, acarinho e estímulo, porque não há nada pior para quem exerce funções políticas do que se alhear da visão crítica que é necessário ter sobre a sua própria ação”, disse, dando depois como exemplo o episódio em que convidou o fadista Carlos do Carmo para ser mandatário da sua segunda candidatura à Câmara de Lisboa.

“Carlos do Carmo avisou-me que não seria mandatário na campanha eleitoral, mas mandatário para todo o mandato. Durante quatro anos, andou no bolso com o folheto da campanha eleitoral e ia apontando o que estava e não estava cumprido. Essa avaliação e esse acompanhamento são fundamentais para que o exercício das funções se mantenha com pressão crítica”, defendeu.

Questionado sobre a ideia de que Mário Soares foi o primeiro chefe de Governo do PS a “meter o socialismo” na gaveta, Costa recusou essa tese.

“Foi a primeira vez que a esquerda governou em condições democráticas, sendo confrontada com a necessidade de conciliar os valores, os princípios e os sonhos com as duras realidades da governação. O nosso confronto com a realidade foi logo em 1976, enquanto os socialistas franceses, por exemplo, tiveram-no em 1983, mas isso permitiu também ao PS ganhar uma maturidade governativa grande”, sustentou.

António Costa classificou depois como difícil a questão de identificar se Soares foi melhor primeiro-ministro ou Presidente da República.

“Os governos de Mário Soares salvaram por duas vezes o país da bancarrota, fizeram o Serviço Nacional de Saúde, a integração europeia e toda a construção do Estado de Direito. Hoje, toda a gente teoriza sobre a independência da justiça, e quem construiu a justiça independente em Portugal foram os governos do PS”, advogou.

Para o atual líder do PS, Mário Soares, antes mesmo de ser chefe de Estado, “foi um primeiro-ministro com dimensão de Presidente da República, porque foi capaz de mobilizar e unir o país, teve uma capacidade única de diálogo”.

“Depois, foi um extraordinário Presidente da República. Porventura, a personalidade de Mário Soares como ‘grande pai da nação’ ajusta-se melhor à função presidencial”, admitiu.

Já sobre as posições mais recentes do fundador do PS, encaradas como mais à esquerda do que as que preconizava nos primeiros anos da democracia, Costa destacou a energia de Soares para continuar “o combate político, apesar de ele dizer que se retirou da vida política”, e apresentou dois argumentos para justificar essa diferença.

“Ser simplesmente um homem livre dá uma liberdade que não existe com os constrangimentos próprios do exercício de funções institucionais. Em segundo lugar, aquilo que tem acontecido no mundo nas últimas duas décadas é altamente perturbador para qualquer homem de esquerda e, porventura, fez recuperar a atualidade de um conjunto de valores e combates que muitas pessoas pensaram que estavam ultrapassados. Há combates que há 30 anos se julgavam definitivamente consolidados, mas que hoje sabemos que não e que nos obrigam a voltar às raízes do movimento socialista”, sustentou o secretário-geral do PS.