Depois de atacar Marcelo Rebelo de Sousa, José Maria Ricciardi, ex-administrador do BES e presidente do BESI, contrariou as declarações de Amílcar Morais Pires, ex-responsável financeiro do BES, que na semana passada na Assembleia da República acusou Ricciardi de ter mais responsabilidades no colapso do banco do que ele próprio, avança esta segunda-feira o Expresso Diário.

Numa carta enviada esta segunda-feira ao presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, e a que o Expresso teve acesso, José Maria Ricciardi acusa Morais Pires de ser “interveniente direto em graves operações financeiras que estão a ser objeto de investigação criminal” e de pretender, por isso, “camuflar a sua eventual responsabilidade com afirmações conclusivas” sobre o “desempenho” de Ricciardi. Afirmações que, segundo o ex-administrador do BES, “não resistem ao escrutínio documental”. A responsabilidade e o poder de Morais Pires ficaram, segundo Ricciardi, “bem comprovadas pela sua designação [de Morais Pires] como substituto do Dr. Ricardo Salgado em junho de 2014”.

Durante a audição parlamentar de Amílcar Morais Pires, este disse que Ricciardi era uma pessoa “muito importante” dentro do banco e que tinha responsabilidades significativas, uma vez que era o “responsável pela área de risco com o dr. Joaquim Goes” e também o “administrador comum do BES e da Espírito Santo Internacional”. Ricciardi defende-se, dizendo que deixou “de desempenhar funções efetivas a partir de junho de 2012 no departamento de risco global, cuja gestão efetiva ficou na prática a cargo do dr. Joaquim Goes”.

Ao longo dos 12 pontos da carta, a que a Lusa também teve acesso, José Maria Ricciardi realçou que, apesar de “ter deixado de desempenhar funções efetivas a partir de junho de 2012” no Departamento de Risco Global (DRG) do BES, cuja gestão efetiva disse ter ficado na prática a cargo de Joaquim Goes, “é preciso deixar bem claro que jamais” se apercebeu da realidade das contas da Espírito Santo International (ESI), a não ser em novembro de 2013.

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O presidente do BESI assegurou que as últimas contas da ‘holding’ do Grupo Espírito Santo (GES) em causa que eram do seu conhecimento referiam-se ao exercício de 2011, que foram certificadas pela KPMG, não tendo havido desde então qualquer atualização. “Era materialmente impossível aperceber-me do buraco financeiro resultante de dívida e prejuízos ocultados, que só veio a ser denunciado em setembro de 2013, na sequência do ETRICC 2”, isto é, o exercício amplo de avaliação de ativos e exposição do BES solicitado pelo Banco de Portugal.

Paralelamente, sublinhou Ricciardi, “a venda e colocação de papel comercial destinada a cobrir o buraco financeiro da ESI aos balcões do BES, que já era reveladora de um inusitado aumento de prejuízo, não foi precedida de qualquer consulta ou apreciação prévia do DRG”. Este departamento também não detinha “jurisdição de qualquer natureza sobre a ESAF [gestora de ativos do BES], onde em momento anterior os fundos se encontravam consignados”, acrescentou. E acusou: “A decisão de vender o papel comercial aos balcões do BES competia ao Departamento de Gestão da Poupança, dirigido pelo administrador, doutor Morais Pires, sem qualquer participação da Direção Global de Risco”.

A comissão de inquérito arrancou a 17 de novembro e tem um prazo de 120 dias, que pode eventualmente ser alargado. Os trabalhos têm por intuito “apurar as práticas da anterior gestão do BES, o papel dos auditores externos, as relações entre o BES e o conjunto de entidades integrantes do universo GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades”.

A 3 de agosto passado, o Banco de Portugal tomou o controlo do BES, após a apresentação de prejuízos semestrais de 3,6 mil milhões de euros, e anunciou a separação da instituição em duas entidades: o chamado banco mau (um veículo que mantém o nome BES e que concentra os ativos e passivos tóxicos do BES, assim como os acionistas) e o banco de transição que foi designado Novo Banco.