António Guterres acredita que a Europa vai “viver uma progressiva perda de influência à escala mundial”. Mas o alto comissariado das Nações Unidas para os Refugiados defende que há uma opção: “Pode fazê-lo de forma desordenada e com um preço muitíssimo elevado para os europeus, ou pode fazê-lo assumindo coletivamente os seus valores e assumindo uma estratégia comum”.

Numa entrevista ao jornal Público, publicada este domingo, em que faz o balanço de 2014, o presidente do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) conclui todavia: “Com tudo o que se possa dizer acerca da relativa decadência europeia, ou da relativa ascensão de outros países, eu continuo a preferir ser europeu e a viver na Europa”. Portugal é um tema ausente da entrevista do ex-primeiro-ministro socialista que tem sido apontado como possível candidato à Presidência da República. Guterres, que decidiu a entrada do país no Euro, sublinha que a moeda única foi concebida como o objetivo da integração europeia.

“A minha esperança é que o que tem ser tem muita força e que, um dia, as pessoas percebam que o caminho não é a renacionalização das políticas, o que não leva a coisa nenhuma”.

Para o responsável máximo pelos refugiados, é evidente a ausência da Europa política no mundo, perante uma presença francesa, alemã ou inglesa. Esta falha foi visível na abordagem feita à Turquia que para António Guterres foi “completamente errada”. Deveria ter-se dado a garantia de que entraria na União Europeia quando cumprisse os critérios de Copenhaga, mas como isso não foi feito, o país escolheu outros caminhos e “agora pagam-se as consequências disso”. Para o António Guterres, a Europa também não fez o suficiente em relação à Primavera Árabe.

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Questionado pela jornalista do Público, Teresa de Sousa, sobre a hegemonia alemã, Guterres salienta que é preciso que outros países compreendam as suas responsabilidade a vários níveis, da economia ao asilo. Lembra que a Alemanha é o país que recebe o maior número de requerentes de asilo no mundo enquanto há países europeus a fechar as suas fronteiras.

Numa entrevista que tem como título “Todos perdemos”, o presidente do ACNUR dá o seu testemunho sobre as várias crises e conflitos de 2014, um ano em que o número de refugiados atingiu o valor mais alto desde a segunda guerra mundial, afetando 51 milhões de pessoas. Guterres refere os conflitos na Síria e no Iraque e alerta para a falta de financiamento do Programa Alimentar Mundial que abastece os campos de refugiados. O mapa dos deslocados passa ainda por África e por uma multiplicação de novos conflitos regionais como o vivido na Ucrânia que refletem a “desordem mundial”.

António Guterres realça a capacidade de intervenção limitada dos Estados Unidos, em contraste com os anos 90 e a crise de Timor Leste que viveu como primeiro-ministro. “Hoje é evidente que nada se pode fazer sem os EUA, mas que os EUA já não podem fazer nada sozinhos”.