A coisa parecia grave. O momento ficava entre a ressaca do Natal, que ainda mal terminara, e a que aí vinha, relativa ao Ano Novo. Um limbo entre festas. E, de repente, as notícias traziam uma que ninguém queria ler ou ouvir: no alto da estância de Méribel, nos Alpes gauleses, o esqui traíra Michael Schumacher. O antigo piloto, perito em domar, ao volante e na estrada, um monolugar da Fórmula 1, sofrera um acidente na neve. Um muito grave, tanto quanto o traumatismo craniano que causou ao alemão.
Fora de pista. Assim esquiava Schumacher, por vontade própria, cerca de 4,5 metros além da área reservada pela estância, fora do espaço que alguém lhe delimitara para circular. Um contraste, portanto, com a perícia em manter um veículo a alta velocidade nos limites de uma pista de alcatrão. A tal que, por sete vezes (em 1994 e 1995 e, depois, consecutivamente entre 2000 e 2004) lhe valera os títulos de campeão do mundo de Fórmula 1. Mas há um ano, a 29 de dezembro de 2013, o germânico quis arriscar.
O azar reparou e perseguiu-o. Os esquis de Michael batem numa rocha e a cabeça do alemão embate numa outra, quebrando-lhe o capacete com o impacto. O resgate demora minutos e Schumacher é transportado até ao Centro Hospitalar Universitário de Grenoble, em França. Por lá é induzido num coma e operado, no mesmo dia, à cabeça. O seu estado é crítico e toda a gente, entre família, médicos, hospital e agente, o sublinha. No dia seguinte o ex-piloto reentra na sala de operações, onde permanece durante duas horas até que lhe é retirado um hematoma da parte esquerda do cérebro.
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Nada melhora e os receios continuam a crescer. Angela Merkel fala. A chanceler germânica, preocupada como “milhões de alemães”, revela que todo o governo do país ficara “muito abalado” com as notícias do acidente. O ano dobra a esquina e, a 3 de janeiro, mais de uma centena de fãs de Michael Schumacher reúnem-se diante do hospital em Grenoble — é o 45.º aniversário do antigo piloto. Os dias passam, Corinna, mulher do alemão, pede que “deixem em paz” a família e, só no final desse mês há novidades: as doses de anestesia são reduzidas.
Agora sim, começava a espera. Por Michael, pelo heptacampeão mundial, pelo acordar de alguém que, durante anos, ganhara corridas contra os outros (91 num total de 307). Mas nunca contra si próprio. Espera-se, e anseia-se, durante muito tempo. Os meses passam e os comunicados, emitidos pela família através de Sabinne Kehm, representante do alemão, nada adiantam.
Entre o “crítico”, o “progresso” ou a “esperança”, palavras uma e outra vez repetidas, Schumacher só bate o pé ao coma em abril. Aí começa a mostrar “momentos de consciência e despertar”. Nada mais se adianta, numa altura em que, pelo menos, já não se falava de investigações ou de suspeitas — antes, a meio de fevereiro, as autoridades suíços já tinham excluído a hipótese de o incidente ter sido causado por terceiros.
Mas novidade, a sério, chegou a 16 de junho, quando, por fim, o alemão diz adeus ao Centro Hospitalar Universitário de Grenoble. E terá dito mesmo pois, nessa altura, era anunciado que Michael “já não estava em coma” e acabava de ser transferido para o Hospital de Lausanne, na Suíça, de modo a prosseguir os tratamentos. A primeira boa notícia, a sério, demorara seis meses a chegar. Uma das más, contudo, apareceria sete dias depois.
A 23 de junho a família de Schumacher fala, lamenta e revela que informações da ficha clínica do alemão — relativa ao período que passara no hospital de Grenoble — estavam a ser vendidas à comunicação social. “Não podemos afirmar se esses documentos são autênticos. Mas o facto é: os documentos são roubados. O roubo foi denunciado. As autoridades encarregadas dos inquéritos foram acionadas”, dizia, na altura, Sabine Kehm. Verdadeiras ou não, os ecos não duraram muito — porque, em agosto, o principal suspeito de roubar a ficha clínica de Schumacher enforcava-se na prisão de Zurique.
Menos de um mês volvido e Michael Schumacher, de vez, deixa os hospitais. A 9 de setembro o heptacampeão do mundo vai para casa, em Glad, na Suíça. Não por culpa de “grandes mudanças” no seu estado de saúde, como ressalva a família, pois havia ainda “um longo caminho a percorrer”. Como há hoje. Mesmo que Jean Todt, atual presidente da Federação Internacional Automóvel (FIA) e antigo chefe da Ferrari — escuderia que, entre 1996 e 2006, deu um volante a Schumacher –, tenha assegurado, em outubro, que o alemão, “num futuro próximo”, teria “uma vida relativamente normal”.
Um futuro que ainda está por chegar. Se o alemão, a 20 de novembro, estava sentado a uma cadeira de rodas, com “problemas de fala e memória”. A informação veio de Philippe Streiff, um ex-piloto de Fórmula 1, que desde 1989 está preso a uma cadeira de rodas, após sofrer um acidente no Brasil, durante uns testes de pré-época. A confissão do francês apareceu depois de visitar o amigo, mas as palavras seriam desvalorizadas por Sabine Kehm.
Com ou sem valor, certo é que, hoje, um ano após um traumatismo lhe invadir a cabeça, Michael Schumacher não fala, não se mexe e apenas “comunica com os olhos”. O ex-piloto “já “começa a reconhecer” os familiares e, a “longo prazo”, talvez possa “caminhar com a ajuda de muletas”. A informação, desta vez, veio da representante do heptacampeão do mundo, que pegou no telefone para atender a chamada da agência Reuters. O progresso, revelou Sabine Kehm, tem estado “de acordo com a gravidade da situação”. Lento, sim, mas o campeão está a lutar para ganhar a corrida que lhe falta.