Com o combate ao terrorismo na ordem do dia, o Governo continua a preparar alterações à legislação anti-terrorismo, mas ainda não falou com o PS de António Costa. Carlos César, presidente dos socialistas, diz que o partido está disponível para falar sobre estas matérias, defende reforço da segurança, desde que não choque com as liberdades dos cidadãos e com a mobilidade no espaço Schengen.
Desde meados do ano passado que o Governo está a estudar alterações às leis anti-terrorismo por causa dos jihadistas regressados, mas para já o pacote legislativo vai continuar na gaveta à espera dos desenvolvimentos que estão a acontecer na Europa na sequência dos atentados em Paris, garante ao Observador fonte do Executivo. A legislação que está em cima da mesa prevê a organização de serviços e forças e também alterações a Código Penal e começou a ser trabalhada ainda na altura do anterior ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. Para já a ordem é para esperar pela definição europeia até decisão do primeiro-ministro, que deverá puxar o assunto no debate quinzenal esta sexta-feira.
Mas o calendário europeu anda mais rápido. Depois do ataque ao Charlie Hebdo, a discussão não só sobre lei anti-terrorismo como de alterações às regras do espaço Schengen saltou para a ordem do dia e Portugal terá de dar a sua opinião sobre o assunto nos próximos dias. Os ministros da Administração Interna têm uma reunião ordinária marcada para o final do mês, mas depois do encontro do passado domingo entre alguns ministros (onde não esteve presente a ministra portuguesa Anabela Rodrigues), falou-se numa antecipação da reunião. Contudo, esta semana haverá uma reunião de altos funcionários europeus para preparar a reunião onde o assunto será tratado, no dia 29 em Riga.
E perante os desenvolvimentos lá fora, por cá ainda reina o silêncio e a cautela. Se em Espanha, o primeiro-ministro do PP, Mariano Rajoy e o líder do PSOE, Pedro Sanchéz, já acordaram num pacto de Estado para combater o terrorismo jihadista, por cá, apesar de há meses se falar da alteração à legislação de combate ao terrorismo, ainda não há conversas, mas o PS diz estar disponível para falar com o Governo de Passos Coelho sobre estas matérias.
Ao Observador, o presidente do PS, Carlos César, diz que compete ao Governo tomar a iniciativa de falar com os socialistas e lamenta que tenha prescindido “de uma característica portuguesa que é a de tomar a iniciativa de consensualizar posições nestas matéria de defesa e segurança, pelo menos com o principal partido da oposição. Falou-se no ano passado de alterações [à legislação anti-terrorismo], mas não houve nenhum contacto daí para cá”.
A matéria é polémica para os dois lados e há em alguns pontos que as posições se encontram.
No que toca às leis anti-terrorismo, César diz que admite alterações às regras de segurança, mas com limites:
“Há uma posição de senso comum que é a de dizer que há a necessidade no plano europeu e no plano nacional de reforçar os mecanismos de segurança, mas a intensidade correspondente a essas mudanças é que não pode conflituar com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, diz ao Observador Carlos César.
Neste ponto, a legislação anti-terrorismo toca na definição das regras do espaço Schengen, como alguns países europeus já têm proposto, e esse é um ponto sensível para os socialistas. “O problema não está na inibição da mobilidade, mas no conhecimento da mobilidade dos cidadãos. Não há nenhuma razão para estar em causa a mobilidade livre que é um dos fundamentos constitutivos da União Europeia. Não se deve romper com isso”, diz César.
Posição semelhante tem o deputado do PSD António Rodrigues, coordenador dos sociais-democratas no Parlamento para assuntos europeus e internacionais. Diz o deputado ao Observador que se deve ter cuidado na legislação à pressa: “Manifesto algum receio de legislar sob pressão em matérias deste tipo e por isso assusta-me quando se fala em alterações ao espaço Schengen”, diz o deputado.
A Europa agitou-se na sequência do atentado ao Charlie Hebdo. No fim de semana, os ministros da Administração Interna (os 11 que estiveram reunidos) tentam impulsionar a criação de um registo eletrónico de passageiros que viajam de avião, o PNR (Passenger Name Record), que é uma espécie de um megaficheiro com os dados dos viajantes, que está parado no Parlamento Europeu.
O debate intensificou-se também nestes dias no Reino Unido onde David Cameron admitiu a possibilidade de dar mais poder aos serviços secretos para rastrear serviços de comunicação por telefone como o Whatsapp ou o Snapchat. A polémica estalou por lá.
Além desta posição de aumentar a vigilância eletrónica, vários responsáveis europeus, mais ligados à extrema-direita, como Marine Le Pen, defendem mesmo a suspensão do espaço Schengen, ou seja que se encerrem as fronteiras internas da Europa.