De Lisboa ao Porto são 300 km de distância, mas em termos de política autárquica, os presidentes das câmaras, Rui Moreira e António Costa, concordam em muito daquilo que devem ser as competências dos municípios. Só não concordam muito no papel do atual Governo.

No debate sobre as cidades, na apresentação da revista XXI, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Rui Moreira foi mais ácido do que Costa e disse mesmo que este foi o Governo mais “centralista de todos”. Costa até admitiu que o resultado não tem sido o melhor, mas disse que “o centralismo não tem cor partidária” e referindo-se a casos concretos até disse: “Tenho visto mais boa vontade do que em anteriores governos – e os dois últimos foram socialistas – sem resultados, mas com vontade”.

Em causa estava a descentralização de competências do Governo para as câmaras. E o autarca do Porto não teve dúvidas: “Podem todos dizer que querem descentralizar quando chegam ao Governo, ao final de um tempo concluo que é o mais centralista que temos”.

Costa ouviu e quando foi a vez de responder começou por “dar uma má notícia a Rui Moreira”. “Este é o terceiro Governo com quem trabalho. E o centralismo não tem cor partidária. É algo que está incutido na máquina do Estado. Os governos só podem mudar a máquina do Estado se o fizerem nos primeiros seis meses, antes de os ministros serem aprisionados pela máquina”. Depois, deu o exemplo. Costa era ministro do primeiro Governo de José Sócrates e este começou a conversar com os ministros sobre o PRACE (programa de redução de estruturas da administração central). Ora conta Costa que os ministros quando começaram tinham “uma fúria reformadora” que se transformou, na segunda ronda de trabalho sobre o programa, “numa fúria conservadora”.

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Depois de dar o exemplo, passou a descrever casos concretos com o atual Executivo em que tentou que houvesse passagem de competências para a câmara. Falou do caso da gestão do trânsito em Lisboa e Porto – com a partilha de administração das divisões de trânsito da PSP -, em que “o ministro Miguel Macedo esteve quase a fechar o acordo”, até à  gestão das empresas de transportes públicos: Metro e Carris. E referindo-se a esse caso, deixou um semi elogio ao Governo, mas que contrariou a versão do autarca portuense:

 “Tenho visto mais boa vontade do que em anteriores governos – e os dois últimos foram socialistas – sem resultados, mas com vontade”, exclamou.

A gestão da Carris e do Metro é um assunto que tem estado em cima da mesa. Costa quer a gestão, mas acredita que vai acabar na privatização. E se isso acontecer, fica o recado: “Se alguém comprar a Carris e o Metro em conflito com a câmara, pode estar certo que lhe vai correr muito mal”. Tudo porque para Costa uma privatização das empresas, como também dos STCP do Porto, não é uma opção “racional nem produtiva”: “Faz algum sentido um secretário de Estado dos transportes públicos estratégicos para o país, está a tratar da gestão de uma empresa que se limita a uma operação modesta de transportar uma pessoa em Lisboa e Porto. Qual é racionalidade disto?”

No debate, o autarca de Lisboa contou ainda que a câmara não recebeu qualquer dinheiro com a realização da final da Liga dos Campeões no Estádio da Luz e que há dois anos que não recebe o dinheiro que a câmara tem direito por causa do Casino de Lisboa. E voltou a insistir numa ideia antiga: a de que as câmaras tenham direito a parte do IVA. Uma proposta que Costa já vem defendendo há algum tempo, mas que não conseguiu que fosse aceite pelo Governo. Ironizou com a ideia para exemplificar que a cidade recebe muito menos com o imposto de circulação do que receberia se tivesse direito a parte do IVA. “Se tivéssemos uma participação na receita do IVA, eles [automobilistas] viriam cá e beberiam pelo menos um cafézinho. E pelo menos o ivazinho do cafézinho ficaria no cofre de Lisboa. Assim nada!”.

Esta foi uma das ideias levantadas pelos dois quando o assunto é o financiamento das autarquias. Além da receita do IVA, em causa estava a opção de Lisboa de avançar com as taxas turísticas – de chegada ao aeroporto e de dormidas – que Rui Moreira apelidou de “taxas, taxinhas e taxotas”. Como propostas, ambos querem mais autonomia para os municípios e cidades com mais gente para inverter a tendência demográfica. Rui Moreira quer uma espécie de “via verde” para os empresários, para que assim a autarquia pudesse fazer um “contrato” com quem quisesse investir que desse segurança, por exemplo, em termos de fiscalidade. Foi neste ponto que o autarca criticou a “descontinuidade da fiscalidade. Não podemos dar garantias a longo prazo porque quem determina a tributação não somos nós”.