Quando, no primeiro congresso socialista pós-25 de abril, Mário Soares preferiu convidar o líder do Partido Comunista espanhol para subir ao palco de Lisboa no lugar do líder do Partido Socialista Espanhol (PSOE), as relações entre os socialistas lusos e o histórico socialista espanhol Felipe González tremeram. “Os comunistas dos outros são sempre melhores do que os nossos”, terá dito na altura o então líder do PSOE, ensaiando um certo mal-estar entre os irmãos socialistas. Mas isso são águas passadas e, hoje, são muito mais as ideias que os unem do que as peripécias que os separam.
Quais são as respostas para a crise? É esta a pergunta que o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González se propõe responder no seu último livro (“À procura de respostas”), agora editado em português, e é também essa a pergunta que António Costa procura responder no prefácio que assina. Desta vez foi Felipe González quem fez o convite ao irmão mais novo português, e os dois socialistas falam a uma só voz.
A resposta para a crise, segundo os socialistas, começa precisamente pela negação daquilo que já existe e que tem sido visto como a “solução inevitável” – “a ditadura da resposta única”. Para Costa, o modelo económico que tem sido adotado, que Felipe González chama de austericidio e que António Costa chama de “austeridade expansionista”, é “profundamente ideológico” e tem sido a principal causa dos movimentos populistas e nacionalistas que têm surgido nos vários países da União Europeia e que marcaram terreno nas eleições europeias de maio.
“Esta política de austeridade expansionista fracassou e é a maior alimentadora dos nacionalismos e dos populismos antieuropeus”, escreve Costa, sublinhando que “nem todos” deram ouvidos aos “recados que os povos europeus quiseram deixar” quando votaram massivamente em partidos como a Frente Nacional, em França, o UKIP, no Reino Unido, ou até o Syriza, no plano oposto, na Grécia.
Segundo Costa, esse foi um sinal de que a Europa não está a ir pelo caminho certo – mas que há outros. Classificando González como um “europeísta convicto”, que assinou há 30 anos com Mário Soares os tratados de adesão de Portugal e Espanha à comunidade europeia, Costa diz que “continua a acreditar” que a alternativa de resposta à crise tem sempre de passar pela Europa.
“Se se discorda da política, deve mudar-se a política; se não se gosta dos partidos, devem-se transformá-los”, afirma Costa, num apelo à participação política, especialmente entre os mais novos e desiludidos.
O suicídio da austeridade = austericidio, segundo González
E aí, o líder socialista deixa algumas notas para uma possível solução para a crise: “Só sairemos da crise com uma resposta global“, porque, “ao contrário do que alguns quiseram fazer crer”, “esta não é nem nunca foi uma crise nacional”; a resposta tem de passar por uma maior participação política, “porque só a política resgatará a economia e a vida das pessoas”; e só com uma Europa mais forte e unida – com “mais e melhor Europa” – se consegue combater os ditos nacionalismos impulsionados pela austeridade.
Para a edição portuguesa, que chega às bancas na próxima quarta-feira, também o próprio Felipe González escreveu um prólogo dedicado à crise portuguesa. Diz González que a União Europeia, e a Zona Euro em particular, reagiram “pouco, tarde e mal” perante o desafio daquela que diz ser a pior crise em mais de meio século. Segundo o ex-primeiro-ministro espanhol, as medidas tomas para apagar o fogo da crise foram sempre “pró-cíclicas” e não “contra-cíclicas”, com vista ao crescimento e ao emprego
“Quando observo a situação em Portugal pergunto-me se alguém acredita, de boa fé, que a situação social, económica ou política melhorou com as políticas austericidas dos resgates”, escreve Felipe González.
Foram essas medidas pró-cíclicas “carregadas de sacrifícios sociais”, segundo o socialista espanhol, que aceleraram o colapso da economia e criaram um “desemprego insuportável”. Neste sentido, o ex-líder do PSOE propõe que a Europa reconheça o “fracasso” do modelo e avance para um novo rumo semelhante ao que foi seguido pelos EUA para ultrapassar a crise: uma resposta assente na redução do défice, no crescimento da economia e no fomento do emprego. “Como veem, não proponho modelos revolucionários, nem utopias regressivas”, remata González.
A colaboração de António Costa no livro de González surge numa altura em que o secretário-geral do PS se prepara para se reunir o atual líder do PSOE, Pedro Sánchez. O encontro transfronteiriço organizado conjuntamente com os socialistas portugueses e espanhóis decorre este sábado em Badajoz.