Faltam menos de 24 horas para o sétimo aniversário da declaração de independência do Kosovo – 17 de fevereiro de 2008 – mas, em Pristina, não parecem existir razões para celebrar. Desde o início do mês de janeiro que o país está num rebuliço, devido às declarações “racistas” de um ministro sérvio, que, entretanto, já foi demitido. Ao mesmo tempo, o Kosovo depara-se com a maior vaga de emigração desde o conflito dos anos 1990.
“Acho que as pessoas não estão entusiasmadas com isso [o sétimo aniversário], por causa das coisas que têm acontecido nos últimos tempos. Normalmente, a minha timeline [do Facebook] estaria cheia de mensagens e fotografias da bandeira. Este ano nada”, diz Blerina Kuçi, uma kosovar de etnia albanesa, em declarações ao Observador.
Não se veem posters, nem faixas comemorativas, na capital kosovar, conta. Nos últimos tempos, o centro de Pristina assistiu a uma série de protestos que fazem lembrar as imagens da luta pela independência após o fim da ex-Jugoslávia. As memórias do conflito ainda estão vivas, criando uma vaga de emigração.”Compreendo os que se estão a ir embora por não terem condições de vida. Mas aqueles com trabalho cá, que raio é que estão a pensar?”, diz Blerina. Durante o conflito pela independência do Kosovo, a família de Blerina foi refugiada em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina. Mas, mesmo assim, não está amedrontada com o que se está a passar.
A grande maioria dos kosovares foge da pobreza, do desemprego e do trabalho precário, à procura de melhores condições de vida e segurança em países da Europa Ocidental. O desemprego jovem é de 55.3%. Este é um dos países mais corruptos do mundo. Oficialmente, cidadãos com passaporte kosovar, dentro da Europa, só podem entrar na Macedónia, Montenegro, Albânia e Turquia sem visto. Contudo, muitos tentam a sua sorte noutros países.
Só em janeiro, cerca de 10,000 kosovares pediram asilo na Hungria. Em 2013, durante o ano inteiro, foram 6000. As famílias kosovares, na sua grande maioria, viajam de autocarro da capital do país, Pristina, para Belgrado, capital da Sérvia, por 15 euros. Depois, outro autocarro até à cidade fronteiriça de Subotica. Daí, os passadores obrigam-nos a atravessar a pé quilómetros de florestas e de pequenos ribeiros, até entrarem em terreno húngaro, conta a Reuters.
Esta crise chegou ao ponto de Atifete Jahjaga, a Presidente do Kosovo, ir à cidade de Vushtrri, no norte do país, onde cerca de 5 mil habitantes emigraram nos últimos meses, pedir às pessoas que não se vão embora. “Não deviam partir. Deviam ficar aqui e tentar encontrar uma solução”, afirmou.
Desde setembro, o Kosovo estava a verificar um súbito aumento do número de cidadãos do país, sem razão aparente. Alguns emigrantes kosovares, em declarações à agência Reuters, afirmaram que os passadores encontraram rotas mais seguras para passar a fronteira e que a notícia espalhou-se boca à boca.
Contudo, nem neste ponto os cidadãos kosovares parecem estar com sorte. A Hungria não é um país recetivo a emigrantes. Victor Orbán, o primeiro-ministro húngaro conhecido pelas suas posições nacionalistas, já prometeu a implementação de uma nova legislação que permita a detenção durante grandes períodos ou a rápida deportação dos imigrantes. “Se não tivermos leis que nos permitam detê-los imediatamente e deportá-los, a Hungria vai tornar-se um campo de imigrantes económicos. Isto tem de ser evitado”, afirmou, em declarações à Reuters.
Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) português, desde 2013 que Portugal não recebe um pedido de asilo de um cidadão kosovar.
O rastilho de mais um conflito
A seis de janeiro, um protesto organizado pelo partido Vetëvendosje [Movimento de auto-determinação, em português] e a ONG Mother Call (Chamamento de mãe, em português) bloqueou a entrada de uma igreja ortodoxa em Gjakova, no sul do país, impedindo um grupo de peregrinos vindos da Sérvia, que viajaram de autocarro, de entrarem no edifício para a celebração litúrgica. O partido nacionalista albanês de extrema-esquerda Vetëvendosje é um dos movimentos políticos emergentes no Kosovo, desde 2013, quando conquistou a liderança do município de Pristina ao Liga Democrática do Kosovo (LDK), o partido albanês conservador, fundado em 1989, ainda antes da independência do país.
Este protesto é organizado todos os anos pela associação Mother Call, que junta centenas de mães de Gjakova de pessoas desaparecidas durante o conflito. Contudo, segundo a revista Kosovo 2.0, a razão pela qual os protestos subiram de tom este ano foi que entre os peregrinos estavam indivíduos suspeitos de crimes de guerra. Durante o protesto, dois membros do Vetëvendosje foram presos. Este foi o rastilho para tudo que veio a seguir.
Durante a intervenção da NATO, em 1999, para parar a guerra étnica provocada por Slobodan Milosevic, a cidade de Gjakova foi uma das que mais sofreu com o conflito. Nas palavras do presidente do município, Mimoza Kursari-Lila, Gjakova foi a “Srebrenica do Kosovo”.
No rescaldo desta situação, Aleksandar Jablanovic, ministro do Trabalho e Segurança Social, de nacionalidade sérvia, afirmou ao meios de comunicação que “selvagens não permitiram sérvios voltarem ás suas casas queimadas [durante o conflito dos anos 1990]”. Esta reação foi vista, automaticamente, como um ataque pela maioria da população albanesa, que pediu a sua demissão em vários protestos em Pristina, o que já veio a acontecer no dia três deste mês.
“A chamada para o protesto veio do [partido] Vetëvendosje [Movimento de Auto-Determinação, em português], mas não foi em nome deles. Foi em nome das pessoas. É por isso que estavam pessoas de vários partidos nos protestos”, explica Blerina, ao Observador.
É possível ser ministro de um país, quando o partido que lidera não o reconhece como independente? Sim
Idiossincrasias do destino, dirão alguns. De acordo com a constituição kosovar, tem que existir sempre um ministro de etnia sérvia no Governo, e, pelo menos, dois deputados no parlamento representantes da comunidade sérvia no país, explica a revista KOSOVO 2.0. Aleksandar Jablanovic, o ex-ministro da Trabalho e Segurança Social, é membro e presidente da Srpska Lista (Lista Sérvia, em português), partido político apoiado pela Sérvia e que não reconhece a soberania do país – os ministros da Lista Sérvia trabalham dentro dos parâmetros da resolução 1244 das Nações Unidas e não reconhecem a independência do Kosovo. Ou seja, Aleksandar Jablanovic era ministro de um país que não reconhecia como soberano.
Após as eleições de junho de 2014, o partido Lista Sérvia chegou pela primeira vez a posições de liderança no Kosovo, em coligação com o LDK. E foi assim que Jablanovic chegou ao Governo do Kosovo.