Carlos Tavares apelou, esta segunda-feira, a que houvesse “respeito” por quem investiu as suas poupanças em papel comercial do GES. “Esta é uma questão jurídica, naturalmente, mas também é uma questão de respeito pelas pessoas que aplicaram as suas poupanças”, afirmou, no final de um almoço promovido pela ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores.
O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) adiantou que era uma “questão de palavra” e de “cumprimento com compromissos”. “Nesta altura, mais do que discutir posições de uns e de outros, o importante é encontrar uma solução e encontrá-la rapidamente“, revelou.
Em causa, está o assunto que colocou o Banco de Portugal (BdP) e a CMVM em rota de colisão nos últimos dias, depois de o BdP ter enviado uma carta à comissão de inquérito ao BES que remetia a responsabilidade sobre o papel comercial para a supervisora dos mercados financeiros. Em resposta, Carlos Tavares assegurou que não vai deixar de utilizar todos os instrumentos que a lei coloca à disposição para assegurar a proteção dos investidores.
O presidente da CMVM defende, ao contrário do BdP, que o Novo Banco deve compensar os 2.500 clientes que investiram em papel comercial do GES. A gestão de Stock da Cunha argumenta que não pode reembolsar os clientes porque isso poria em causa a rentabilidade e os rácios de capital. E o Banco de Portugal não permite soluções que fragilizem a situação financeira do Novo Banco cuja venda vai ser negociada nos próximos meses.
“Não há boas regras que resistam às más práticas”
No almoço desta segunda-feira, o assunto em cima da mesa foi o governo das sociedades e responsabilidade social das empresas. Carlos Tavares aproveitou a ocasião para lembrar que no passado, quem entrava para a banca sabia que estava ali para servir o interesse dos clientes.
“O interesse primordial era, de facto, o cliente, e nunca se pôs a questão de ter de aderir a um código de ética escrito. Eram outros tempos, em que a palavra dada era sagrada”, referiu o presidente da CMVM.
Carlos Tavares adiantou que os mecanismos de tomada de decisão de assunção de riscos têm de ser assegurados por “pessoas competentes” e apropriadas para cada função. “De nada vale a uma sociedade ter controlo de riscos se as pessoas que as executam não tiverem independência e competência necessária para os aplicar”, disse.
O líder da CMVM adiantou que o real problema “é que não há bons governos de corporate governance que resistam às pessoas erradas”, que “não há boas regras que resistam às más práticas” e que “não há bons princípios de governo societário que resistam à falta de ética e de valores na condução das empresas”.
Os casos GES/BES e o investimento da Portugal Telecom na holding do GES, a Rioforte, levantaram dúvidas sobre a forma como são geridos os conflitos de interesses nas grandes empresas portuguesas, pondo em causa as boas práticas de gestão.
“Se nos recordarmos dos casos BCP, BPN, BPP, BES e PT, em todos eles encontramos grandes défices no funcionamento dos mecanismos essenciais do governo societário. E, no entanto, algumas destas empresas eram altamente avaliadas – seja pela CMVM seja por entidades privadas – e apresentavam excelentes relatórios de governo sobre o cumprimento do Código de Governo e respetivas recomendações”, disse.
Carlos Tavares lançou também um desafio à ACEGE: criarem, em conjunto, um índice de ética e responsabilidade social das empresas, em Portugal. “Seria algo que gostaria de deixar como legado para os meus sucessores”, disse.
No culminar da sua intervenção, pediu “tolerância zero para os desvios à ética dos comportamentos, às boas práticas empresariais e aos chamados valores tradicionais”.
“Não me recordo de ter visto propostas de destituição destes elementos [administradores, auditores, entre outros] por não cumprirem cabalmente as suas funções. Pelo contrário, encontramos certamente louvores – e até prémios generosos – a pessoas que integram órgãos sociais que foram responsáveis por decisões ruinosas para os acionistas”, referiu.
Sobre os pequenos acionistas, disse que há regras que não devem precisar de serem escritas para serem lembradas. Por exemplo: o acionista de controlo deve ter presente que tem deveres para com os acionistas minoritários. “A ACEGE fala em amor pelo próximo. Eu já fico satisfeito com respeito pelo próximo, com os direitos por aqueles que prestam um serviço socialmente útil, que é colocar o seu dinheiro ao serviço de uma empresa“, disse.
Mais tarde acrescentou que quem coloca o seu dinheiro sob forma de ações ao serviço de empresas “está a prestar um serviço de valor inestimável à empresa” e à própria economia do país, que “tem de ser respeitado”.