Não era a estreia só de um, mas a de todos. Eram recém-adolescentes, nem barba tinham na cara e, com 14 ou 15 anos, iam pela primeira vez cobrir o corpo com o equipamento do país. Uma nova fornada de miúdos chegava à seleção nacional, neste caso a de sub-15 e, para espanto de Carlos Dinis, foi necessário que, antes do jogo, fosse distribuída “uma pequena folha” de papel entre os jogadores. O então treinador da equipa lembra-se “perfeitamente”, pois “muitos nem sequer sabiam o hino nacional”.

Já foi há 14 anos que, a 24 de fevereiro de 2001, se marcou o “início de uma possível carreira internacional” para muitos jogadores. Entre eles estava Cristiano Ronaldo. E, mesmo com “a memória um bocado difícil” para recordar estes tempos, Carlos Dinis não esqueceu os ensaios aos quais o hino nacional obrigou. “Tivemos que treinar algumas vezes, para ver se a coisa entrava com mais cuidado na cabeça da rapaziada”, recordou ao Observador, entre risos, o homem que dava ordens desde o banco de suplentes quando o hoje capitão de Portugal vestiu, pela primeira vez, uma camisola das seleções nacionais.

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Antes de o fazer, contudo, o hino tinha de ser entoado. O treinador não especificou se Ronaldo, então um imberbe extremo do Sporting, era um dos miúdos que não tinha as palavras decoradas. “Não interessa quem, mas eram alguns!”, resume. O hino nacional, afinal, tinha que se ouvir antes até de os jogadores pisarem a relva, como mandava o hábito. “Na altura era uma tradição na seleção, que não sei se ainda se mantém, de cantarmos o hino no autocarro quando nos aproximávamos do estádio. Todos o faziam. Era um ritual ao qual os jogadores eram habituados”, revela.

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O jogo, nesse dia, era contra a África do Sul. O relvado estava em Torres Novas e a prova chamava-se Torneio Internacional de Rio Maior. “Salvo erro perdemos esse torneio no último jogo, penso que com a Dinamarca. Ficámos em segundo lugar”, diz Carlos Dinis, antes de a conversa rodear o nome que saiu desta geração e, já crescido, ganhou três Bolas de Ouro (2008, 2013 e 2014). “Naquela altura o Ronaldo não era, digamos, a estrela da companhia. Não tinha aquele protagonismo. Não havia muitas estrelas sequer”, conta, ao falar da versão novata do craque que, na tal partida, até marcou um golo.

Na camisola já tinha o 17, mesmo número que vestiria, durante cerca de três anos, quando chegou à seleção nacional, a principal — até Luís Figo, o 7, dizer adeus em 2006, após o Mundial. “Obviamente que tinha coisas diferentes de todos os outros. Não diria que era ‘mais um’, claro, pois tinha de facto coisas que chamavam a atenção, no treino e no jogo”, reconhece, embora salientando que, na altura, a “atenção não estava no que era, ou não, o Ronaldo, mas em transmitir a dinâmica e os princípios de jogo da seleção”.

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A prioridade não era um, mas todos. Mas o que um tinha nos pés e com eles conseguia fazer com a bola, porém, já agarrava a atenção. “Tinha coisas notoriamente diferentes dos outros. Era um jogador de rasgos, mas de imaturidade em termos táticos. Aí sim, era mais individualista que todos os outros. Tinha argumentos mais fortes, mas nem sempre escolhia as melhores alturas ou o sítio do campo para tomar uma decisão individual”, explica Carlos Dinis, ao desenhar o retrato que então via em Cristiano Ronaldo, numa idade em que estes traços “não deixam de ser coisas naturais”.

E o miúdo que viera da Madeira, por acaso, até chegara ali de maneira diferente dos outros. “Contrariamente aos colegas que estavam com ele”, revela o treinador, Ronaldo “não fez parte do primeiro processo de triagem que a federação fazia, nos torneios inter associação” — o extremo do Sporting faltara a essa parte. “Teve um problema cardíaco. Ele entra diretamente na seleção sem ter feito parte dos torneios associativos”, sublinha, confirmando algo que Francisco Silveira Ramos, hoje diretor técnico da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) também frisou, em declarações à entidade — Carlos, aliás, só orientou os sub-15 no torneio pois, na altura, Francisco, que era o selecionador, estava indisponível.

Hoje é ele, o capitão, a dar o exemplo e a ser o primeiro em quem as câmaras se focam quando estão 11 portugueses alinhados, na seleção, a cantarem o hino nacional antes de um jogo. As bocas, por vezes, até podem nem mexer, mas já todos saberão as palavras que têm de cantar.