O guião não variava muito: o jogo, por vezes, até durava todo um episódio, carregando no drama, mas sem alterar o desfecho — Óliver Tsubasa resolvia e pronto. Pelo meio havia bolas achatadas, campos com quilómetros de comprimento e pontapés dopados de acrobacias. Era o herói, tímido e tal, que só precisava de estar com os pés na relva e uma bola à frente para salvar o dia. O resumo é de um desenho animado, chamado “Super Campeões”, japonês e feito na década de 80 que, sem variar, mostrava sempre uma tarefa difícil, daquelas missões com o seu quê de impossível, a pedir que alguém se superasse.

Era sempre o mesmo miúdo, o tal, o japonês, do mesmo país do protagonista da série de animação que se especializou em manter o “im” afastado do “possível”. Em Alvalade, o Sporting precisava de vencer por três golos de diferença para superar a derrota por 2-0 que trouxera de Wolfsburgo, da primeira mão dos 1/16 de final da Liga Europa. Era difícil, muito. Mas aos leões não faltava vontade e mostravam-no: o jogo arrancou e as pilhas, aceleradas, davam-lhes um ritmo acelerado a pressionar alto os jogadores alemães.

Sporting: Rui Patrício; Cédric Soares, Paulo Oliveira, Tobias Figueiredo e Jonathan Silva; William Carvalho, Adrien Silva e João Mário; Nani, André Carrilho e Junya Tanaka.

Wolfsburgo: Diego Benaglio; Trasch, Naldo, Knoche e Ricardo Rodríguez; Luiz Gustavo e Guilavogui; Vieirinha, Kevin de Bruyne e André Schurrle; Bas Dost.

Estavam juntos e subidos, com a defesa a encostar na linha do meio campo, a empurrar o resto da equipa para a frente, para apertar com o Wolfsburgo sempre que a bola ia parar a pés adversários. Resultava, porque os germânicos, quando a tinha, ou a chutava para a frente, pelo ar, ou viam que, pela relva, não tinham saídas para chegarem à baliza de Rui Patrício. Ao início até viram um atalho num dos lados, o de Jonathan Silva, que dava metros de espaço a Vieirinha e demorou uns 20 minutos a atinar. De resto, até ao intervalo, o jogo foi do Sporting.

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Mas sem acelerarem muito a atacar, os leões recuperavam muitas bolas na metade do campo germânica e tinham a certidão no passe que não tiveram na semana anterior, na Alemanha. Os cruzamentos, também ao contrário da primeira mão, faziam-nos muitos, mas só aos 17’ se viu um deles chegar a Nani, vindo de Jonathan Silva, mas o português, sozinho, rematou a bola contra a relva e não acertou na baliza de Diego Benaglio. Seguiu-se um frouxo remate de William Carvalho, à entrada da área, antes de, aos 36’, o primeiro pontapé a sério aparecer vindo de uma canhota.

De quem? Do tal japonês, não o animado, mas o real, o de Junya Tanaka, que dentro da área rematou de primeira uma bola vinda de Nani, que acabara de tabelar com João Mário. O Wolfsburgo não era intenso na pressão, o Sporting conseguia ter a bola durante muito tempo e acabava por encostar os alemães à sua área, usando Nani e Adrien, sobretudo, para irem rodando a bola ali perto da baliza. Até que, com o tal remate de Tanaka, os leões engataram num ritmo frenético e não mais o baixaram até ao descanso.

Aos 37’, uma jogada das boas viu o calcanhar de Nani lançar Jonathan Silva, a canhota do uruguaio cruzar a bola rasteira, o pé direito de João a atrasá-la de primeira, a postura de Adrien a ajeitá-la para William que, de pé esquerdo, rematou de primeira, em jeito, para a mão direita de Benaglio defender para fora. Segundos depois, no canto, Tobias Figueiredo, perto do primeiro poste, cabeceou a bola que só Trasch, em cima da linha, impediu de se tornar em golo. Logo no minuto seguinte (sim, isto estava de loucos), aos 38’, Adrien isolou Tanaka, cujo pé direito, o pior, não conseguiu picar a bola por cima do corpo do guarda-redes, que a defendeu. No ressalto, Adrien rematou contra um defesa e, noutro ressalto, João Mário pontapeou a bola para a bancada.

Cansava só de ver tantas oportunidades consecutivas. E falhadas. Haveria mais uma, aos 45’+1, quando João Mário, na esquerda, resolveu levar a bola a passear num sprint, ultrapassou Trasch, cruzou rasteiro e Tanaka, agora de pé esquerdo, rematou de primeira e viu a bola desviar em Benaglio, bater no poste e acabar nas mãos do guardião. E o Wolfsburgo? Errava, perdia bolas, não arranjava antídoto para a pressão leonina e só aos 44’, num corte vindo de um canto, conseguiu fazer um remate, frouxo, à baliza de Patrício, pelo pé direito de André Schurrle.

O recado de Marco Silva para a segunda parte dos leões só podia ser um: “continuem assim”. A equipa tentou e voltou do balneário com o mesmo chip de pressão alta e reação rápida à perda da bola, para a recuperar bem à frente e não deixar que os alemães ativassem o contra ataque rápido, a melhor das armas que tinham. Até aos 54’ o Sporting recuperou éne bolas assim. Mas, nesse minuto, não o fez numa jogada e a bola chegou a Kevin de Bruyne, que desde a esquerda arrancou com ela para o meio, passou por Paulo Oliveira e William e, depois, rematou a bola contra o mesmo poste que devolvera o pontapé de Tanaka.

Mesmo sem qualquer aviso, nem um tímido, o alarme soava — porque o Wolfsburgo é das equipas que, quando não engata como equipa, tem lá no meio jogadores que, sozinhos, podem inventar coisas destas. O Sporting, contudo, fez com que não mais o conseguisse fazer. Perto da hora de jogo viram-se as pilhas leoninas a descarregarem e os alemães a ficarem com mais espaço e tempo para terem a bola, a meio campo. Mas a pressão, mesmo que com menos cabeça, ainda se via. Foi ela que, aos 64’, permitiu a Tanaka intercetar um passe de Knoche, dar a bola a Carrillo que, desde a esquerda, cortou para dentro, simulou, simulou mais uma vez e, quando rematou, a bola foi parar à bancada. Complicou.

Antes já Nani, dentro da área, fintara Rodríguez e, de pé esquerdo, rematara contra Benaglio. Depois houve a troca de Adrien por Islam Slimani para o Sporting ter um avançado plantado na área e ficar sem o médio que mais bolas recuperava e pressão fazia. O Wolfsburgo passou a ter mais espaço para sair da área, mas nem por isso se tornou mais perigoso. Algo que os leões não deixavam de ser, sobretudo quando, aos 77’, um cruzamento de João Mário encontrou Junya Tanaka, sozinho, na área: o nipónico, contudo, nem deste foi herói à desenho animado, pois acertou com o remate de pé esquerdo em Benaglio e, no ressalto, tanto ajeitou a bola para fugir ao direito, ao cego, que a acabou por perder.

O Sporting fazia quase tudo bem, menos uma coisa: dar golos ao jogo com tantas oportunidades que inventava para marcar. Porque os minutos passavam, o cansaço acumulava-se, as pernas iam pesando e a cabeça já não estava tão fresca para pensar. O Wolfsburgo, reparando nisto, já preferia abrandar as coisas quando tinha a bola, para acalmar o ritmo da caçada dos leões à reviravolta. Sem Tanaka em campo, Mané ainda desviou, aos 83’, um cruzamento de Montero, demasiado perto de Benaglio para enganar o guarda-redes.

No minuto seguinte lá apareceu o gigantão holandês, o avançado dos 12 golos já marcados em 2015, o que inventou um bis na primeira mão: Bas Dost recebeu um passe de De Bruyne, entrou na área e caiu assim que Jonathan Silva lhe tocou, pelas costas. O árbitro nada apitou quando talvez tivesse razões para o fazer. Depois, Nani ainda rematou, de primeira, uma bola cruzada por Montero para, como sempre, Benaglio a desviar. Ou agarrar, como fez à bola cabeceada por Slimani, aos 88’. A bola não entrava e, até final, não tocaria em qualquer pedaço de rede.

O jogo, quando terminou, parecia um primo afastado do encontro, hora e meia antes, arrancara. Ao último apito viram-se leões de cabisbaixo, inconformados com o esforço e luta que de nada valeram devido ao desperdício de oportunidades que trouxeram com eles — e logo na quiçá melhor partida que o Sporting realizou esta época.

Poucos, contudo, se lembrarão dela daqui a uns anos, porque sem golos nem vitória, não há memória. “A bola batia em todo o lado, podíamos estar ali a noite inteira a chutar que não íamos conseguir marcar”, lamentou Nani, no final. Talvez. O Sporting sai da Europa, empurrado pelo 2.º classificado da Bundesliga, que não acabava um jogo sem marcar golos desde 27 de novembro. Não houve heróis e houve golos para tornar possível uma reviravolta, nem um japonês milagroso. Agora segue-se o FC Porto, no domingo.