Kim Jong-il, ex-líder da Coreia do Norte, era um grande fã da indústria cinematográfica de Hollywood – não perdia um filme de James Bond ou qualquer outro em que Elizabeth Taylor participasse. Talvez por esse motivo, o norte-coreano tivesse uma ambição: reproduzir na Coreia do Norte, aquilo que Hollywood fazia tão bem. E parece que levou a missão muito a sério: em 1977, Kim Jong-il raptou um realizador e uma atriz sul-coreanos com o objetivo de os obrigar a produzir filmes para o regime de Pyongyang.
O caso é agora recontado no livro A Kim Jong-il Production e desvenda detalhes de um plano digno dos filmes de 007, como sublinha a BBC. Primeiro, foi o rapto da atriz sul-coreana Choi Eun-hee, então uma estrela em decadência, que procurava a todo o custo relançar a carreira.
A hipótese chegou em 1977, quando Choi Eun-hee recebeu uma proposta milionária de um empresário de Hong Kong para participar num filme. A atriz aceitou e partiu para Hong Kong, onde se iria encontrar com o empresário, tal como combinado. No entanto, já na região chinesa, a viagem teve um desvio inesperado: o carro onde seguia foi cercado por um grupo de homens que, depois de a retirarem do carro, a amarraram e sedaram.
“Ela entrava e saía da escuridão. Lembra-se de sentir alguém a carregá-la por um corredor e a dar-lhe uma injeção. Depois o esquecimento tomou conta dela. Quando finalmente acordou, estava a bordo de um cargueiro na cabine do capitão. Um grande retrato cerimonial de Kim Il-sung [pai de Kim Jong-il] sorria para ela”. Excerto do livro A Kim Jong-il Production, citado pela BBC.
Oito dias depois de ser raptada, a atriz sul-coreana estava em Pyongyang, numa vida luxuosa mas altamente vigiada, relata o canal britânico. O seu desaparecimento repentino daria origem ao segundo ato da longa-metragem em que se transformou o plano de Kim Jong-il: o realizador Shin Sang-ok, ex-marido da atriz, partiu em busca da sul-coreana e acabou, também ele, por ser raptado em Hong Kong por agentes de Pyongyang.
Shin Sang-ok passou quatro anos na prisão, alegadamente, por se recusar a cooperar com o regime e a cumprir os desígnios que Kim Jong-il tinha para ele. No entanto, acabou por, ao fim de algum tempo, não resistir mais à prisão e juntar-se à ex-mulher e começar a obra sonhada pelo futuro líder da Coreia do Norte – na altura, o pai do “líder supremo” ainda era vivo e Kim Jong-il era apenas o responsável pela produção cinematográfica norte-coreana.
Depois de aceitarem colaborar com Pyongyang, os dois produziram uma série de filmes para o regime, inclusivamente, “Pulgasari”, que se tornou uma obra de culto naquele país.
Até que, oito anos depois, a oportunidade para escapar surgiu inesperadamente. Depois de ganharem a confiança de Kim Jong-il – conta o livro que o norte-coreano passava longas horas a conversar com o realizador sobre cinema -, os dois conseguiram convencê-lo a viajarem para Viena, onde contactaram a embaixada norte-americana e foram resgatados por agentes da CIA.
Das personagens deste filme, apenas Choi Eun-hee ainda é viva. Mora em Seul e terá sido ela a grande fonte de Paul Fischer, autor do livro que retrata como duas estrelas sul-coreanas foram raptadas a mando de Kim Jong-il, que queria cumprir o sonho de tornar Pyongyang na Hollywood oriental.
Há, no entanto, quem aponte algumas incongruências nas histórias de Choi Eun-hee e Shin Sang-ok – terá sido apenas uma manobra de publicidade demasiado bem construída por duas estrelas com as carreiras estagnadas? A Coreia do Norte, claro, negou sempre qualquer envolvimento no rapto de cidadãos sul-coreanos. Mas que daria um bom filme, lá isso, daria.