A um ano do final do segundo mandato, a poucos meses de começar a campanha, Cavaco Silva publicou um prefácio que rapidamente foi lido como indicativo de um perfil do seu sucessor.

Um Presidente da República deve ter “alguma experiência no domínio da política externa e uma formação, capacidade e disponibilidade para analisar e acompanhar os dossiês relevantes para o país”, permanecendo numa “adequada coordenação e concertação com o Governo”, lê-se no Prefácio.

Bastou meia dúzia de parágrafos, mesmo sem referência direta às presidenciais, para que alguns sociais-democratas se interrogassem: “Se eu quiser ler ali uma indicação, estava a eliminar todos à direita e a promover os da esquerda”, disse ao Observador um alto dirigente do PSD.

As razões não são difíceis de imaginar. Com um perfil experiente em relações internacionais, Cavaco tiraria Marcelo Rebelo de Sousa da equação, mas também Rui Rio – que é, dentro do PSD, quem mais próximo está de Cavaco. Restaria Santana Lopes (que rapidamente veio a público, juntamente com Marcelo, dizer que encaixaria no perfil), mas que ninguém acredita ser da preferência do atual presidente.

Entre os mais próximos de Passos Coelho, as reações eram, mesmo assim, muito variadas ao longo desta segunda-feira. Onde uns somavam interrogações, outros temiam:

“Não me surpreende nada. O Presidente vai tentar condicionar tudo. Ele acha que o Barroso vai aparecer à última hora, dizendo que no meio de tanta loucura ele é o único capaz”.

Outros ainda duvidavam:

“Não nos interessa nada, até às legislativas ninguém se vai mexer”, dizia uma fonte bem colocada na São Caetano.

Ou desvalorizavam:

“O prefácio não traça um perfil, nem 1/3 de perfil. O que ali está é inócuo”.

Em Belém, não se espera um sinal de Cavaco

O facto é que umas escassas linhas do prefácio presidencial serviram para o PSD se interrogar sobre se Cavaco Silva vai querer ter uma palavra a dizer sobre as eleições presidenciais. E a resposta de quem convive mais proximamente com o Presidente é unânime: não vai.

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“Ele nunca se meterá, nem dará qualquer apoio formal, isso é absolutamente claro”, diz uma fonte próxima de Cavaco ouvida pelo Observador. “Mesmo que a corrida acabe entre um candidato de esquerda e um de direita, tenho dúvidas que o faça”, insiste a mesma fonte. Porquê? “Tem muito a ver com a maneira como ele vê o cargo e, sobretudo, como ele vê o papel que pode ter como ex-Presidente”, argumenta esta fonte.

Entre os que frequentam o Palácio de Belém, há quem sintetize o caso assim. “É evidente que ele tem simpatias, mas nunca dará sinais públicos disso. Cavaco Silva não é como Soares. Nem quando foi a sucessão no PSD ele quis pronunciar-se, não será agora que o vai fazer“. E até quem vá até mais longe, dizendo que já chegaram mensagens a Belém, pressionando para que desse um sinal, para que abrisse caminhos. E que as respostas foram sempre negativas.

O prefácio foi para quê?

A pergunta para a qual ninguém tem resposta é, para alguns dos mais próximos do Presidente, a que terá resposta mais simples: “O Presidente faz sempre prefácios a explicar o que fez e por que fez assim. É uma avaliação que ele quer que se faça do seu trabalho, uma justificação”.

Junto do atual primeiro-ministro, quem conhece Cavaco Silva diz o mesmo por outras palavras: “Ele queria explicar o quão importante ele foi. Saiu mal, toda a gente vai ficar a pensar que ele tem uma preferência”.

Na verdade, ao longo das páginas do prefácio, Cavaco faz mesmo um roteiro extenso do seu desempenho ao longo do ano que passou. Um exemplo, em vários:

“Face à situação de emergência económica e financeira a que Portugal tinha chegado, houve que mobilizar toda a nossa capacidade diplomática, incluindo a ação do Presidente da República, para explicar, junto das mais variadas geografias, instituições internacionais e líderes políticos, a execução do programa de assistência financeira, em ordem a suscitar a confiança dos nossos parceiros e investidores, ganhar credibilidade no plano externo e conseguir apoios para as posições portuguesas. Fi-lo em dezenas de encontros”, escreveu.

Daqui até às próximas presidenciais, Cavaco Silva não terá mais prefácios publicados. O próximo – o último – virá já depois de escolhido o seu sucessor.