Os mecanismos internos de alarme propostos pelo Fisco alegadamente para proteger determinados contribuintes de acesso indevido aos dados foram estudados pela primeira vez em setembro de 2014, precisamente na altura em que a comunicação social dava conta de eventuais irregularidades nos rendimentos de Passos quando era deputado em regime de exclusividade.
O caso começa a 18 de setembro quando a revista Sábado noticiou ter sido entregue na Procuradoria-Geral da República uma denúncia anónima que dizia que Passos recebera 5.000 euros por mês da Tecnoforma a recibos verdes entre 1995 e 1998. Na sequência disso, a 26 de setembro de 2014, o jornal i dava conta de uma alegada declaração de IRS de Pedro Passos Coelho, onde constava que o atual primeiro-ministro não tinha declarado qualquer rendimento da Tecnoforma nas declarações entregues em 1996 a 1999, período em que tinha sido deputado em regime de exclusividade. Agora, na carta que enviou à ministra das Finanças, o chefe demissionário do Fisco admite que foi precisamente em setembro do ano passado que propôs a criação de um sistema de alarme interno para proteger determinados contribuintes.
Em setembro, o jornal i divulgava então uma declaração de IRS de Pedro Passos Coelho, que depois se veio a confirmar não ser igual à que o primeiro-ministro divulgou através da Assembleia, onde não constavam rendimentos relativos ao seu trabalho na Tecnoforma entre 1996 e 1999, altura em que era deputado em regime de exclusividade. O jornal dizia que nesse período Passos Coelho tinha declarado apenas rendimentos de trabalho dependente, que resultavam num total de cerca de 40.500 euros, 42.000 euros e 43.000 euros, respetivamente.
Nesse mesmo dia 26 de setembro, o primeiro-ministro foi ao Parlamento anunciar, durante um debate quinzenal, que autorizava a divulgação de parte das suas declarações de IRS, tornando públicas as partes que compreendiam os seus rendimentos auferidos durante o período em questão.
Mas terá sido precisamente nessa altura, no auge do caso Tecnoforma, que o Fisco atuou para apertar o cerco à consulta de dados fiscais de determinados contribuintes. Na carta de demissão que António Brigas Afonso remeteu à ministra da tutela, lê-se que, em setembro de 2014, a segurança informática da Autoridade Tributária propôs a criação de um procedimento de controlo de acesso aos dados, com mecanismos de alerta de determinados contribuintes e verificação da legalidade das respetivas consultas.
A proposta feita pelo departamento informático teve rapidamente um parecer favorável da direção do Fisco. “Em outubro de 2014, o subdiretor-geral despachou favoravelmente essa informação”, propondo uma “medida definitiva de salvaguarda do sigilo fiscal”, escreve Brigas Afonso. O ex-diretor garante, contudo, que “nunca foi recebida a proposta definitiva de concretização da medida de controlo”, mas sem explicar por que razão, depois de várias confirmações, esse controlo não foi em frente.
Ao mesmo tempo que era criado este mecanismo de controlo com sistemas de alerta para determinados contribuintes, Brigas Afonso decidia também abrir uma auditoria para apurar a origem de uma eventual violação do sigilo fiscal relativamente ao primeiro-ministro, que enfrentava acusações de não-declaração de rendimentos da Tecnoforma. Na carta que enviou à tutela, Brigas Afonso ressalva, no entanto, que esta auditoria relacionada com o acesso aos dados fiscais de Passos Coelho, não teve relação direta com a proposta que era feita na mesma altura sobre a criação do sistema de alarme para determinados contribuintes. Ou seja, os novos mecanismos de controlo informático foram adotados “paralelamente, de forma totalmente autónoma sem qualquer relação” com as notícias na comunicação social.
Como consequência dessa auditoria, diz Brigas Afonso, concluiu-se que 69,7% das consultas dos dados fiscais do primeiro-ministro tinham sido feitas apenas por “mera curiosidade”. Brigas Afonso garante que esses dados lhe suscitaram “preocupação” mas que não deu conhecimento deles à tutela.
O ex-chefe do Fisco garante na mesma carta que não há relação direta entre o caso das consultas aos dados fiscais do primeiro-ministro no caso Tecnoforma e as medidas de controlo interno que foram efetivamente propostas. Brigas Afonso garante ainda que essa proposta para controlar e proteger o acesso aos dados de determinados contribuintes nunca se chegou a traduzir na criação de uma lista VIP.