António Figueiredo, antigo presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), parece ter estado no topo da rede que manipulava os vistos Gold, de acordo com as escutas telefónicas citadas pelo acórdão do Tribunal da Relação, a que o jornal i teve acesso. Enquanto presidente do IRN, António Figueiredo aproveitou-se da posição que tinha para influenciar decisores políticos e facilitar o processo burocrático de acesso aos vistos.

“Eu vou ver se falo como Manuel Palos para nos arranjar o cartão. […] Daqueles… depois daqueles cinco mil? Eu dou-lhe um bocadinho, qualquer coisa para ele ficar contente, tá a ver?”, disse António Figueiredo a Zhu Xaiaodong, um dos empresários chineses constituído arguido, enquanto se referia a uma comissão de cinco mil euros que ia dar a Manuel Jarmelo Palos, então diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

As influências que exercia e de que se gabava levaram o Ministério Público a chamar António Figueiredo de uma “espécie de demiurgo entre o universo empresarial de Zhu e parceiros e a realidade da administração pública”. Figueiredo gabava-se da rapidez com que arranjava os vistos e o próprio empresário chinês o comentava com terceiros. Porém, em interrogatório, o antigo presidente do IRN tentou justificar que as comissões que recebia estavam relacionadas com “comissões de venda de vinhos”.

O então presidente do IRN tentou usar da própria influência junto do Ministério da Justiça para conseguir que dirigentes do IRN e do SEF estivessem presentes na Feira de Imobiliário em Xangai. Mas a falta de sucesso nesta iniciativa pode ter estado relacionada com o facto de a ministra já ter conhecimento das comissões associadas aos vistos Gold. Figueiredo tentou descartar responsabilidades, dizendo que quem recebia as comissões eram as empresas chinesas. Mas Luís Carvalho de Lima, presidente da associação que financiaria a ida a Xangai – a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária em Portugal -, não se deixou enganar. “Então eu não sei? Você sabe que eu sei […] mas sabe, não adianta falar muito no assunto, ó Figueiredo, que nós assim espantamos a caça.”

A investigação a António Figueiredo, realizada entre novembro de 2013 e novembro de 2014, inclui escutas entre o presidente do IRN, o diretor do SEF e empresários chineses. O resultado desta investigação foi apresentado no acórdão da Relação de Lisboa de resposta ao recurso de um dos arguidos. A partir de junho de 2014, depois de a revista Sábado ter noticiado que o esquema estava sob investigação, Manuel Jarmelo Palos passou a ser mais cauteloso no tipo de conversas que fazia ao telefone.

O antigo presidente do IRN continua em prisão preventiva, enquanto o antigo diretor do SEF está sujeito a apresentações periódicas.

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