Quais são os limites da neuropotenciação, o melhoramento das capacidades do cérebro? Introduzir material biológico ou tecnológico no cérebro, para conferir novas capacidades, pode reunir muitas críticas, mas quando o objetivo é terapêutico as vozes parecem ser menos discordantes. Para António Jácomo, investigador no Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, o medo vai persistir enquanto se continuar a assumir que o cérebro é o órgão que tudo comanda no nosso organismo.

“Ainda temos o mito de que o cérebro é a ‘centralina’ de tudo e que as intervenções no cérebro vão ser catastróficas”, diz ao Observador o investigador. “Esta ideia vai mudar quando conhecermos melhor o cérebro, porque afinal ele é um órgão como outro qualquer, com a sua função e a sua especificidade. Não podemos viver sem cérebro, mas também não podemos viver sem coração ou sem pulmões.”

Muitas das funções e capacidades do cérebro ainda são desconhecidas, mas a vontade de o desenvolver existe desde sempre. “Faz parte da essência do ser humano ser neuropotenciado. Faz parte da evolução”, refere António Jácomo. “Desde sempre usamos técnicas para melhorar as nossas capacidades – a mnemónica que os nossos pais e os nossos avós tinham como modelo de aprendizagem era uma forma de neuropotenciação.”

Até onde podem ir os esforços de melhor o desempenho?

A educação é uma das formas mais antigas e melhor toleradas de neuropotenciação. Porém, ir além das capacidades ditas “normais”, como os atletas que tomam doping, pode não ser tão bem visto. Mas o que dizer então do comprimido que tomamos para curar a dor de cabeça e aguentar o dia de trabalho ou do café que nos mantém despertos? Aceitamos a estimulação, mas dentro de certos limites.

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Os limites, contudo, estão sempre a mudar. Mudam também com a evolução da investigação. E se antigamente a bioética estava associada “aos limites e fronteiras, ao que era permitido e não permitido”, agora é mais difícil. “Até há 30 anos era muito fácil fazer bioética com esse estilo, porque os avanços eram muito mais lentos e a comunidade científica era reduzida”, diz António Jácomo. “Era fácil ter a bioética como um cão de guarda.”

Agora, aos investigadores em bioética cabe a função de acompanhar o trabalho de investigação, “perceber aquilo que se vai realizar e quais são as consequências”. Porque, às vezes, o investigador está tão concentrado no objeto de estudo que “não está muito atento ao impacto na sociedade”.

O Instituto de Bioética da Católica do Porto é, neste momento, responsável pela avaliação bioética dos projetos aprovados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – responsável pelo financiamento e avaliação do sistema científico português – e dos projetos submetidos ao financiamento europeu Horizonte 2020 no âmbito das neurociências – Neuron (Network of European funding for Neuroscience research). “Enquanto avaliadores não fazemos avaliação do impacto da investigação na sociedade, o trabalho é mais sobre a integridade científica e condutas responsáveis em investigação”, explica o António Jácomo.

O instituto tem ainda a decorrer investigação própria, como as questões éticas do racionamento e racionalidade da alocação de recursos em saúde pública ou as questões neurológicas associadas à deliberação. “À medida que vamos conhecendo o funcionamento neuronal vamo-nos apercebendo que afinal de contas não somos tão livres como isso. Há um condicionamento da nossa vontade”, diz o investigador.

Trazer a bioética para dentro do laboratório

Acompanhar a investigação que se vai realizando e manter-se a par de tudo o que vai sendo feito é o maior desafio para António Jácomo. O ritmo de produção científica e a escassez de tempo já não lhe deixam margem para ler todos os artigos que lhe interessam ou felicitar os investigadores que conhece. “O meu maior receio é tornar-me um vendedor da banha da cobra. Tenho muito medo de cair no erro de falar daquilo que não sei”, confessa o investigador. “É uma tentação porque as pessoas esperam sempre mais de nós, esperam que tenhamos resposta para tudo.”

Para diminuir a probabilidade de os investigadores do Instituto de Bioética falarem de temas que não dominam, todos eles são formados numa área científica. António Jácomo, para além da formação inicial em filosofia, tem uma pós-graduação em neurociências. Isso permite-lhe falar com investigadores desta área e usar a mesma linguagem, permite-lhe estabelecer um diálogo e criar uma relação de confiança.

Foi esta relação de confiança que permitiu ao Instituto de Bioética convidar investigadores em neurociências para discutir, não o trabalho de investigação científica em si, mas a ética associada a essa investigação. “A bioética vai ser cada vez mais trazida para dentro do laboratório, de onde nunca deveria ter saído, e vão ser os próprios investigadores a ter esta sensibilidade”, diz António Jácomo. A Conferência Internacional em Neuroética decorreu de 9 a 10 de abril na Fundação Calouste Gulbenkian e contou com a presença de investigadores nacionais e internacionais. “É muito difícil pôr um cientista de laboratório a falar das questões de ética, mas eles aceitaram, porque temos feito um trabalho de acompanhamento da investigação que estão a fazer.”