Tecnicamente é possível trocar um gene do ADN de uma célula por outro à escolha do investigador. Os cientistas já o fizeram com ratos e com primatas não humanos, mas agora querem fazê-lo com embriões humanos. Há cientistas que se opõem a este tipo de investigação e as conceituadas revistas científicas Nature e Science já rejeitaram publicar experiências com embriões humanos. Mas também há aqueles que defendem que esta investigação é importante para erradicar doenças geneticamente transmissíveis.

A equipa de Junjiu Huang, investigador na Universidade de Sun Yat-sen, em Guangzhou (China), tentou publicar uma investigação sobre modificação genética com embriões, mas tanto a Nature como a Science rejeitaram a publicação por objeções éticas, disse o autor do estudo citado pela área noticiosa do grupo Nature. O artigo acabou por ser publicado na revista científica Protein & Cell.

Já a pensar nos problemas éticos que podiam ser levantados, a equipa de Junjiu Huang usou para esta experiência embriões não viáveis de uma clínica de fertilidade, ou seja, embriões que não tinham condições para ser implantados e que seriam, portanto, descartados. Na União Europeia e nos Estados Unidos também é possível usar embriões humanos inviáveis – que não tinham condições para concluir o desenvolvimento – para fazer investigação científica, exceto se houver alteração do património genético dos embriões, ou seja, manipulação do ADN. “A alteração do património genético é proibida na União Europeia, assim como é proibido usar fundos europeus para fazer este tipo de investigação”, explicou ao Observador Ana Sofia Carvalho, diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa.

O trabalho da equipa chinesa centrou-se na substituição do gene responsável pela talassemia – uma doença genética e hereditária que afeta a produção de hemoglobina e pode causar anemia. Este tipo de substituição de genes é defendido por cientistas que acreditam que a terapia genética pode servir para erradicar doenças genéticas. Quem a rejeita lembra que a questão aqui é maior do que o indivíduo. Uma alteração no ADN dos óvulos, espermatozóides ou embriões, altera não só o património genético do indivíduo, mas da futura descendência, lembra a diretora do instituto português.

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Na experiência conduzida por Junjiu Huang, os embriões eram injetados com uma enzima que tinha como missão cortar, do ADN, o gene responsável pela doença. Na mesma célula era introduzido o gene “saudável” que se devia ligar na região onde o outro tinha sido cortado. No decorrer da experiência, 86 embriões foram injetados com a enzima responsável pelo corte e reparação do ADN. Dos 71 embriões que sobreviveram, apenas 54 foram testados geneticamente para avaliar o resultado da manipulação genética. A enzima conseguiu cortar o gene responsável pela doença em 28 embriões, mas a fração daqueles que conseguiram incluir a porção de ADN “saudável” foi muito pequena.

Convém lembrar que os embriões usados não eram viáveis e que não se pode saber o que poderia acontecer com embriões normais, por isso, Junjiu Huang refere que sem certezas não avança na investigação. “Se queremos fazê-lo com embriões humanos, temos de ter quase 100%. É por isso que parámos. Achamos que é muito imaturo”, disse o investigador citado pela Nature News.

Ana Sofia Carvalho lembra que este tipo de investigação traz problemas éticos e científicos que ainda não tinham sido colocados, mas que isso não justifica que se proíba que a ciência avance, como defendem alguns cientistas. “O papel da bioética não é ser um cão de guarda, mas funcionar como um mecanismo de antecipação”, lembra a investigadora. “A bioética deve ir acompanhando e ir refletindo.” O objetivo é encontrar um bom compromisso entre a ética e o desenvolvimento científico.

A equipa de Junjiu Huang refere ainda que nos embriões manipulados foram encontradas várias mutações que não estavam previstas. Dando mais força aos argumentos daqueles que se manifestam contra este tipo de manipulação genética. Mutações que passem despercebidas após a manipulação de um embrião podem ser irremediavelmente replicadas na descendência. Ou será que depois se justifica mais manipulações para corrigir os erros provocados pela manipulação inicial?

Outro dos argumentos de quem se manifesta contra a alteração do património genético, ainda que com fins terapêuticos, é que a técnica seja pervertida e que se passem a fazer “embriões por encomenda“.

Mesmo sabendo que trabalhar com embriões que já têm defeitos genéticos pode condicionar os resultados, Junjiu Huang defende que os embriões são um modelo experimental melhor do que usar embriões animais ou células humanas adultas. “Queríamos mostrar ao mundo os nossos dados para que as pessoas soubessem o que realmente acontece com este modelo, em vez de falarmos apenas do que podia acontecer, sem mostrarmos dados.”

As alterações genéticas usando uma enzima para cortar o gene que se pretende alterar como acima explicado também tem sido testada em crianças, ou adultos, para corrigir problemas genéticos. Embora também neste caso se levantem questões éticas, como só as células somáticas (não sexuais) são manipuladas, não se prevê que haja risco das alterações genéticas serem transmitidas à descendência. Porém, estes ensaios não têm tido uma grande taxa de sucesso.

Em Portugal, toda a utilização de embriões para fins clínicos ou de investigação é regulamentada pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.