Em Katmandu todos estavam à espera de um grande sismo. Há apenas uma semana, 50 sismólogos tinham estado reunidos na capital do Nepal para discutir a forma como esta devia estar preparada para um terramoto tão ou mais intenso do que o de 1934, que fizera mais de dez mil vítimas. Esse sismo chegou este fim-de-semana e ainda estamos muito longe de conhecer o número total de vítimas. Ou seja, como notou o John Wilson, diretor da Faculdade de Ciências e Engenharia da Universidade de Swinburne, na Austrália, “infelizmente esta era uma tragédia que estava à espera de acontecer: um sismo com a magnitude de 7,8 numa região de grande sismicidade e num país pobre, com construções de má qualidade, teria sempre de provocar muitas vítimas”.

O terramoto de há 80 anos terá atingido a escala de 8,2 na escala de Ritcher, o de sábado foi um pouco menos intenso, 7,8 – mas na região vive hoje muito mais gente, tanto nas zonas urbanas, como em aldeias que podem ter ficado soterradas por deslocamento de terras.

O receio dos sismólogos era e é compreensível: Katmandu situa-se numa das regiões do mundo onde podem ocorrer sismos de maior intensidade, pois o vale em que se situa está sobre a zona em que confluem duas placas tectónicas: a euro-asiática e a indiana. Nessa zona, a placa indiana desloca-se para norte à velocidade de quase cinco centímetros por ano – o que “em termos geológicos, é muito”, como notou Lung S. Chan, um geofísico da Universidade de Hong Kong.

É do choque dessas duas placas que resultou, há muitos milhões de anos, a cadeia de montanhas com os picos mais elevados do mundo, os Himalaias, e é esse movimento que continua a empurrar os seus grandes picos (entre eles o Evereste), que continuam a ganhar centímetros todos os anos.

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A imagem abaixo, publicada no Wall Street Journal, dá uma imagem gráfica deste movimento das duas placas que, nesta região em que chocam, exercendo enormes pressões uma contra a outra, provocam com regularidade grandes sismos.

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Os grandes sismos acontecem quando a energia acumulada se liberta de forma brusca e ocorre um movimento brusco ao longo de uma das falhas que caracterizam estas áreas. Estima-se que no sismo deste sábado a placa indiana deu um “salto” de dois metros, de acordo com a estimativa de Hongfeng Yang, um especialista em terramotos da Universidade Chinesa de Hong Kong.

De 100 em 100 anos?

Mas se os sismólogos sabiam que um terramoto iria acontecer mais tarde ou cedo, difícil, ou mesmo impossível, é saber quando ele vai ocorrer. Gary Gibson, investigador da Escola de Ciências da Terra da Universidade de Melbourne, recorda que só existe informação sismográfica de qualidade disponível para o Nepal desde 1960, pelo que os cientistas têm de recorrer ao que vem nos livros de história.

“Há registos históricos escritos com cerca de mil anos, relacionados sobretudo com a história da realeza, mas que incluem referências aos principais terramotos. Coligindo dados a partir de diferentes fontes, eu e o sismólogo M. R. Panlei, pudemos detetar que vários sismos devastadores, com magnitudes superiores a 7,5, ocorreram em dez ocasiões, o que significa que há um grande sismo no Nepal em cada 100 anos. Acontece contudo que o intervalo entre esses sismos é muito variável. O mínimo foi de 23 anos (de 1810 a 1833) e o máximo de 271 anos (de 1408 a 1681).”

Este cientista considera que estes intervalos de recorrência são muito baixos, pelo que sabemos que haverá de novo mais sismos devastadores em Katmandu. “Não sabemos é dizer quando”.

Acresce que os sismos nesta região do globo ocorrem muito à superfície, isto é, a profundidades muito baixas, o que faz com que possam provocar danos muito maiores. Por comparação, os sismos que costumam ocorrer ao largo do Japão, do Chile e da Indonésia, têm o seu hipocentro (o ponto em que ocorre o brusco movimento das placas tectónicas; epicentro é a vertical desse ponto à superfície) a maiores profundidades. Esses sismos podem provocar tsunamis devastadores, mas derrubam menos edifícios.

Em regiões montanhosas como as do Nepal há ainda um problema adicional, sublinha Gary Gibson: provocar gigantescos deslocamentos de terras, capazes se submergir povoações inteiras, nomeadamente através de avalanchas. Ou fazer desabar barragens naturais ou artificiais, provocando ondas de cheia. Foi isso que aconteceu em 2008 aquando do terramoto de Wenchuan, na China, que fez quase 70 mil vítimas. Em regiões onde a pluviosidade é elevada, esse risco é ainda maior – o que volta a fazer do Nepal uma região muito perigosa.

E Lisboa?

O último grande terramoto em Lisboa foi o de 1755, que arrasou Lisboa e muitas povoações do sul do país, quer pelo tsunami que se lhe seguiu, quer pelos incêndios que tomaram conta da nossa capital. Estima-se que a intensidade desse sismo tenha sido bem maior do que a do deste sábado – 8,75, o que significa que em termos de energia libertada esta terá sido 30 vezes superior, pois a escala de Richter é uma escala logarítmica – mas o seu epicentro terá sido no Atlântico, na falha Marquês de Pombal, a muito maior distância.

Em termos históricos este não foi o único grande sismo que afetou a região de Lisboa. Há registos de grandes sismos para o ano 63 antes de Cristo e para o ano de 382, sendo que para estas ocorrências mais antigas não há estimativas de intensidade, mas há descrições de enormes tsunamis, que terão feito desaparecer ilhas ao largo do Algarve. Mais recentemente Portugal foi afetado por um grande sismo (de intensidade 8,5) em 1356, pelo de 1755, a que seguiu um outro também muito intenso, logo em 1761.

Como os jornais noticiaram o último grande sismo em Portugal, o de 1969

Como os jornais noticiaram o último grande sismo em Portugal, o de 1969

O sismo mais recente de grande magnitude foi o de 28 de Fevereiro de 1969 – o maior de todo o século XX –, sismo esse com epicentro a cerca de 230 km a sudoeste de Lisboa e uma magnitude de 7,9. Apesar desta dimensão, a distância e o facto de o hipocentro ter sido muito profundo amorteceu os seus efeitos: apenas se registaram 13 mortes em todo o território nacional.

No nosso caso, os sismos são provocados pela fricção entre a mesma placa euro-asiática e a placa africana (no sismo de 1969 calcula-se que o escorregamento brusco das duas placas teve uma dimensão média de quatro metros). A forma como estas placas interagem pode ser vista no seguinte mapa:

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O que estes dados nos mostram é que o intervalo de recorrência entre grandes sismos é muito maior em Portugal do que no Nepal. Isso dever-se-á ao facto de o cavalgamento da placa africana pela placa-euroasiática ter uma velocidade menor. Relativamente a Lisboa, e por comparação com Katmandu, a sua distância às principais falhas é de algumas centenas de quilómetros, o que também contribui para amortecer o choque. Já a região do Algarve encontra-se muito mais exposta, como foi muito evidente no grande sismo de 1969.

Mas talvez a maior diferença entre Katmandu e Lisboa não esteja nos insondáveis movimentos das placas tetónicas, mas nas precauções dos homens e das instituições. Como notam os cientistas, não são os terramotos que, por regra, matam pessoas – as pessoas morrem quando os edifícios caem e elas ficam soterradas. Nesse domínio é grande a diferença entre a nossa capital (apesar de muitos defeitos conhecidos) e a capital do Nepal.

O país dos Himalaias, de acordo com Ilan Kelman do Instituto para a Redução de Riscos e desastre do Reino Unido, “possui das melhores práticas de todo o mundo no que toca à educação para o caso de ocorrer um terramoto e para a redução de riscos”, muito por obra de iniciativas de base comunitária. Mas, ao mesmo tempo, muitas das suas construções são precárias, mesmo as mais recentes. Este especialista, ao olhar para as primeiras imagens que iam chegando de Katmandu notou mesmo que os edifícios em betão pareciam ter resistido relativamente bem, ao contrário dos que tinham sido construídos com materiais mais frágeis.