O esquema de circularização de obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo (BES), em que esteve envolvida a Eurofin, gerou mais-valias desde 2009, de acordo com a auditoria forense. As conclusões preliminares remetidas pelo Banco de Portugal à comissão parlamentar de inquérito constatam “a existência de mais-valias, igualmente apropriadas por aqueles veículos (da Eurofin) na colocação de um conjunto de obrigações emitidas pelo Grupo BES desde 2009”.

Na análise a estas operações, que geraram perdas adicionais para o BES nas semanas que antecederam a resolução, a auditoria conclui que os factos descritos poderão “configurar a prática de infração especialmente grave consubstanciada na prática de atos dolosos de gestão ruinosa, em detrimento de depositantes, investidores e demais credores”, praticados pelos membros dos órgãos sociais do banco. O dolo pressupõe a intenção ou conhecimento dos prejuízos provocados.

Como exemplo, é referida uma amostra de cinco emissões de obrigações (títulos de dívida transacionados em mercado) emitidas pelo grupo BES em 2012 e 2013, com valor nominal de 1175 milhões de euros, que corresponde a 24% do valor total das emissões de obrigações colocadas em clientes naquele período. Estas operações geraram mais-valias que totalizaram 181 milhões de euros. E para quem?

A análise feita às mais-valias geradas pela circularização e recompra de obrigações do BES no primeiro semestre de 2014 confirma os ganhos de 787 milhões de euros, os quais “terão sido apropriados por veículos da Eurofin”, a sociedade suíça que serviu de intermediária entre o banco e os clientes que comprarem estes títulos.

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O documento do Banco de Portugal não o diz de forma expressa, mas as mais-valias para investidores ou Eurofin representam menos-valias, perdas, para o BES concretizadas no ato de recompra destes títulos, que o banco adquire por um valor muito mais alto do que o registado no balanço e antes do prazo da maturidade desta dívida. O reconhecimento total destas perdas imposto pelo auditor e pelo Banco de Portugal obrigou a constituir provisões de 1300 milhões de euros que precipitaram a queda do BES em agosto do ano passado.

Esta parte do exame da Deloitte investiga as séries de obrigações do BES e do grupo BES e de ações preferenciais emitidas por três entidades especialmente criadas para o efeito (SPV), que foram constituídas pelo Crédit Suisse, mas que de facto seriam geridas pelo banco. A auditoria avaliou ainda a existência de rendibilidades garantidas nestes títulos, bem como garantia de liquidez, que foi o argumento invocado pelo BES para justificar a recompra destes títulos detidos pelos clientes em prejuízo próprio.

Os anteriores administradores do banco, incluindo Ricardo Salgado, alegam que a recompra destes títulos procurou salvaguardar os clientes do banco, praticamente todos não residentes, protegendo a reputação do BES. Estas obrigações terão sido usadas para trocar dívida de empresas do grupo GES que estava colocada nos tais veículos especiais, cujas ações tinham sido vendidas a investidores.

Violação de um conjunto muito significativo de deveres 

Os factos detetados apontam para indícios de “violação de um conjunto muito significativo de deveres” consagrados no código do mercado mobiliário, ao nível da intermediação financeira, previstos em mais de 20 artigos, para além da violação de vários regulamentos e disposições do Banco de Portugal.

O quinto e último bloco da auditora forense debruçou-se sobre a atuação de órgãos de gestão do BES, e Esaf no processo de colocação de dívida de empresas não financeiras do GES na carteira dos fundos de investimento do grupo BES. Mais uma vez foram encontrados “indícios de violação de um conjunto muito significativo de deveres”, consagrados no código de valores mobiliários e ao nível dos sistemas de controlo interno, definidos pelo Banco de Portugal. Gestão de risco, inexistente, conflito de interesses e execução das melhores condições para os clientes, são matérias onde foram identificadas falhas.

Até outubro de 2013, as carteiras de fundos da Esaf eram “compostas, essencialmente, por papel comercial emitido por entidades do GES, tendo a exposição conjugada destes fundos ao GES ascendido a cerca de 2,3 mil milhões de euros em agosto de 2013”. O grupo foi obrigado a reduzir drasticamente este nível de exposição, tendo acelerado a colocação direta da dívida das empresas do GES junto dos clientes do BES, através do famoso papel comercial, do qual falta ainda reembolsar mais de 500 milhões de euros.

A auditoria forense ao BES e à gestão liderada por Ricardo Salgado incide sobre cinco temas. Para além dos veículos Eurofin e da exposição dos fundos de investimento ao GES, foram investigados a ocultação de passivo do Espírito Santo Internacional (ESI), o BESA (Banco Espírito Santo Angola) e o desrespeito das ordens do Banco de Portugal por parte da anterior gestão do BES. Estas auditorias serão remetidas para o Ministério Público.