A tentativa de conciliação das várias propostas de lei de combate ao enriquecimento ilícito não passou disso mesmo, de uma tentativa. Depois de duas reuniões do grupo de trabalho informal, constituído para tentar um entendimento mais amplo, os representantes dos vários partidos acabaram por atirar a toalha ao chão e desistir de qualquer acordo. A última das reuniões informais previstas, que deveria decorrer hoje, acabou por nem se realizar. Sem acordos nem alterações, os projetos de lei sobre o enriquecimento ilícito seguem assim intactos para serem votados separadamente amanhã na comissão parlamentar. Só o da maioria PSD/CDS deverá ser aprovado.

Na origem da falta de entendimento está o facto de as propostas serem substancialmente diferentes – e nenhum dos partidos abdicar dos pontos centrais da sua. As diferenças começam desde logo pela via que seguem: a maioria PSD/CDS opta pela via penal, criando um novo tipo de crime de “desproporção” entre o património e os rendimentos; enquanto o PS, PCP e BE optam por uma via essencialmente fiscal, baseando-se na criação de uma nova obrigação de apresentação de declarações de rendimentos e criminalizando quem não entregar essas declarações.

Outra grande diferença é o universo de aplicação da lei. PSD e CDS pretendem criminalizar o enriquecimento injustificado de todos os cidadãos, sem exceção; o PCP aproxima-se da maioria neste ponto, propondo que a lei seja aplicada a todos os cidadãos considerados “muito ricos” (com rendimento superior a 200 salários mínimos nacionais); mas o PS e o BE preferem restringir a aplicação da lei à esfera do Estado, nomeadamente a titulares de cargos políticos ou públicos e equiparados.

Foi nestes dois pontos que residiu a impossibilidade de entendimento, com os socialistas se recusarem o alargamento da lei a todos os cidadãos em geral, e com a maioria a recusar restringir aos titulares de cargos políticos ou públicos por dizer que “desvirtua” totalmente o seu diploma.

Segundo fonte da maioria relatou ao Observador, chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de separar em dois diplomas as normas aplicadas aos cidadãos em geral e aos titulares de cargos políticos, para serem votados em separado, mas a maioria não abdicou da criminalização da “desproporção dos rendimentos” e, por isso, nada feito. Os socialistas só aceitavam a conciliação se o tipo de crime em causa fosse a não entrega da declaração – e não o crime de enriquecimento injustificado em si mesmo, por acharem ser inconstitucional.

Perante o impasse, os vários projetos de lei sobre esta matéria vão ser votados em separado, e sem novas alterações, na reunião de quarta-feira da comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais. Os projetos da oposição estão, assim, condenados ao chumbo, sendo que só o da maioria será aprovado.

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